sexta-feira, 14 de agosto de 2009

OBARILÈ - REVISITAÇÃO AOS LANCEIROS NEGROS






OBARILE - REVISITAÇÃO AOS LANCEIROS NEGROS
Conto by Severo D’Acelino / 2009


Revisitando os passos da resistência negra, Obarilè de passagem por Jabaquara, ouviu de longe os trotes dos cavalos dos tropeiros, os gritos dos lanceiros em agonia nos Pampas e, nas asas dos ventos, rumou para Lagunas dos Patos, ali, avistando um garoto absorto nos pensamentos inquisidores das marcas do passado, levou-o para uma revisitação onde seria seu ojuobá junto virão nesta revisitação ancestral, as cores da resistência e os sons das lutas, ecos distantes , gritos silenciosos e silenciados.
Debruçado no peitoril do Farol da Lagoa dos Patos, Obarilè em companhia do menino André, fitava o vazio e, concentrado na sua visão panorâmica, sentiu todas as emoções de épocas distantes fragmentadas das lamúrias do presente, gritos, maldições, choros, silêncios e imprecações. A Resistência Negra em seus recortes e sistemáticas lutas através de múltiplas estratégias e no mesmo sentido, contra a fome, repressão, em busca de direitos e liberdades. Nada havia mudado, o negro continua a ser visto, tratado e tido como inferior e sem ter alcançado a igualdade tão sonhada, desde o seqüestro de África, escravizados, para terras tão distantes.
Olhando nos olhos de André, o lhes deu a visão do transporte, levando-o ao Navio Negreiro, o tumbeiro na travessia do atlântico, onde imensidão de homens ,mulheres e crianças, presos, algemados e enfileirados eram depositados no porão imundo infecto e escuro, onde jogados travavam outras batalhas pela sobrevivência e, no transcurso da travessia, tantos corpos eram jogados ao mar e outros infectos, apodrecendo algemados a outros que teimavam em continuar vivo. O espectro foi por demais dantescos e fortes para o menino, cujo impacto, mesmo em transe, lhe transformou o espírito numa passagem instantânea sem rito preparatório. André coração infantil, tornou-se um guerreiro bravo e taciturno. Obarilè que já previa o fato, temperou seu espírito na passagem.
A visão continuou e a travessia do Atlântico, cheia de desespero, nas mais terríveis condições, foi finda com o desembarque dos sobreviventes que sem alternativa, manietados, foram banhados com óleo de palma e expostos para negociações. Divididos foram distribuídos aos seus senhores e encaminhados em fileiras, uns nas carretas, outros andando, para os mais diversos locais, estâncias, tropas, casas e, o maior impacto foi o clima insólito e, no enfrentamento de chuvas intensas, frio, neve, descortinaram, as planícies, planaltos, montanhas, lagos, lagoas, rios,mares , estradas, campos, estâncias, uma nova realidade, uma mutação perversa e o canto de libertação sufocado em suas expressões.
Muitas falas, línguas distintas, das etnias nos semblantes dos escravizados, eram os minas, moçambiques, angolas, povos de muitas Nações, esperanças e tradições, uma unidade em luta por libertação. André viu os negros nas charqueadas, as mulheres, violadas, estupradas pelos seus senhores e mutiladas pelas senhoras, viu as mulheres e homens nus, castigados nos pelourinhos improvisados, viu os grupos de fugitivos em busca de novos pousos e suas lutas na sobrevivência,m os embates e fugas, os quilombos construídos nos prados, nas matas distantes e nas periferias das cidades, viu os negros escravos se passando por negros libertos e viu os brancos buscando os negros em suas lutas e muitos negros nas estradas, estâncias e plantações, olarias, nos pastos e nas missões.
A Resistência dos Negros reunidos para as lutas pelos brancos, as guerras e insurreições, armados e munidos, os Lanceiros lutaram pela liberdade dos brancos e na luta marcado pela expressão, fortalecidos pelo brilho e sagacidade, os Lanceiros referencia , presença marcante em todas as batalhas, os guerreiros incansáveis e temidos, formados por negros escravizados, induzidos pelos seus senhores a luta libertadora, abolicionista que traria a alforria como prêmio a todos. Como os demais contingentes de negros induzidos ás lutas das guerras instaladas, foram traídos, uns re-escravizados, outros fugidos para os quilombos e outros, massacrados, como foram os Lanceiros Negros, traídos por quem deveria defendê-los, foram traídos , desarmados, emboscados e assassinados em Porongos, no maior genocídio da historia de Rio Grande do Sul, Província de São Pedro.
Olhando para seu menino, Obarilè levantou as mãos em direção do centro e mostrou a André os redutos das resistência negra, os quilombos rurais e urbanos, destacando Negro Lúcio, Arroio;Serra dos Tapes: Manoel Padeiro;Rio Pardo;São Miguel;Negro Lucas;
O tempo muda e uma forte lufada de vento indica uma viração terral, as águas da Lagoa se agitam e as ondas se alevantam, Obarilè passa as mãos no rosto de André que semi-inconsciente se agasalha ajustando o ponche, na lagoa, barcos e navios se dirigem ao porto e a tripulação se agitam em suas atividades, os sinos tocam e o Farol manda as luzes de avisos a visibilidade fica alterada com a forte cerração. Enquanto isso, André vislumbra a ocupação escrava em grandes contingentes com a charqueada como ocupação, Pelotas , Mostradas,Porto Alegre,Gravataí; Santo Antonio da Patrulha;Vacaria e suas extensas estâncias e enorme contingente de mão de obra escrava . Viu também outras grandes concentrações em Caí; Taquari; São Jerônimo; Santo Amaro; Rio Pardo, Cachoeira e Jacuí, onde tantas incursões foram produzidas antes o sentimento antiescravista e a luta pela liberdade.
O estrondar do Trovão despertou o menino das contendas na rotas dos escravos, despertou e, sem perceber estava segurando convulsamente o braço de Obarilè tomado de hipotermia,suando em delírio. O velho, simplesmente colocou suas mãos na testa do menino e, suspendendo, levou nos braços e o deitou num banco do Farol e cobriu com sua manta. O Faroleiro que a parte observava o velho e o menino, se aproximou e ofereceu uma chávena de chá mate a qual foi consumida pelo menino, agora mais calmo e tranqüilo, mas, demonstrando desconforto e ausência. Neste estado de demência, via o massacre de Porongos, o chão embebido de sangue, gritos de fúrias, espasmos, angústias, surpresas e terror. Parecia que estava no Tumbeiro na travessia do Atlântico, sobre a fúria do massacre. Via imagens semelhantes em outras plagas ali tão próximo onde milhares de negros eram massacrado perto do Rio do Prata, negros da Argentina, do Uruguai, todos assassinados. Sua testa estava suada e seu corpo ardia de febre o que chamou atenção de Obarilè que enxugando o suor abraçou contra o peito e revitalizou suas forças, deu-lhe energia e calor. André se sentiu fortalecido e despertou para a realidade, saiu do transe e se interessou pelas luzes do Farol e seus efeitos no temporal da lagoa, já não se lembrava de nada.
Quando passou as mãos na testa de André, Obarilé viu todas as imagens que foram geradas pelo menino e sorriu a sua maneira, satisfeito com seu ojuobá e seguiu as suas pegadas, aprendendo seu caminho e sorrindo como sorrir os mestres antes as surpresas dos seus iniciados. Sua atenção foi despertada pelas risadas alegres de André com os brilhos que a refração causava na chuva que caia torrencialmente, era a criança que comungava a sua inocência imaculada.
O faroleiro convidou a outra tomada de chimarrão e começou a contar estórias da lagoa e do farol, episódios fantásticos que ajudaram o enlevo e dissiparam as preocupações da tempestade, longe dele, pensar que a tempestade fora provocada pela invocação de Obarilè para povoar o transe de André. Aos pouco, sem que percebesse a Lagoa voltou ao normal, gaivotas voando sobre os barcos e o tempo limpo, claro e cheio de vida.
De cima André viu um pescador com o barco cheio de peixes, o faroleiro anunciou o filho, convidando aos dois a verem os pescados e conhecerem seu filho. Desceram todos e se encontraram com o pescador, um adolescente com traje de montaria, o que provocou risos do pai que o abraçando apresentou aos convidados. Aos gritos, André!!! Uma turma de estudantes corria em direção do cais onde se encontrava o pescador e o faroleiro com André, foram chamá-lo para o embarque e agradecer ao faroleiro pela atenção, era a turma que foram visitar o Farol, para pesquisa de ecossistema na lagoa.
Nenhum estudante viu Obarilè que sentado na proa do barco, observava tudo sem ser visto por ninguém, aos gritos dos estudantes, aproveitou da distração e saiu do campo de visão dos presentes e se dirigiu a proa do barco de onde observou o grupo que se despediam com efusiva alegria, só André deixou o local com visível perturbação, procurando sombras, quando chegaram perto do ônibus já não tinham a visão do barco mas, o faroleiro de longe, acenava.
Obarilè transmutou e com os ventos segui a trilha dos lanceiros, nas estradas com os carreteiros e tropeiros em manifestos no litoral. O Vento soprou e trouxe vozes, era o André que recitava canções guerreiras, que lembrava o silencio do guerreiro revisitado, uma ode aos lanceiros negros dos Pampas.
Meu nome é André,
não sou Juca Mulato
nem Negrinho do Pastoreio
Sou Guerreiro da Resistência
do Memorial Ancestral
Guerreiro dos Pampas
das Planícies prateadas.
Meus Ancestrais aqui chegaram
traídos,trazidos e lutaram,
resistindo em todos os cantos
numa perspectiva de liberdade
Sou Guerreiro, Lanceiro Negro
Dos Prados, Charqueadas
Tropeiro,Carreteiro em Jornadas
Libertário de Farroupilha
na Resistência Negra destes Pampas
Penhascos, Rios, Arroios,Lagoas
e Mares.
Sou Guerreiro das Missões
dos embates ,guerras e insurreições
e das tradições do meu rincão
destas terras continental
raízes dos meus costumes
Sou Congo, sou Minas, Moçambique
remanescente de Porongos,
vítima de traições,genocídios,
Poncho Verde, Gavião...
Negro de Angola, da Costa, Ouro dos Pampas
pulsando a resistência e raízes racial
Sou Chapadas, navegante dos Prados
Guardião da Lagoa dos Patos,
onde invoco os Ancestrais.
Memória brasileira do meu Rio Grande
Sou a herança do presente
no meu passado, o futuro desta Nação
Lanceiro Negro, herói revelado
no seio de minha Mãe
com os olhos fitos no Guariba
Farol de minha liberdade
Obarilè continuou sua trajetória, revisitando episódios das Resistências Negras, no rito da revitalização, no encontro de nações e gerações onde a diversidade promove a luta reparadora da continuidade dos signos e ritos das tradições culturais do negro na diáspora.
A continuidade histórica e cultural em sua dinâmica multicultural e explicitando as ações de seus líderes a consciência e inconsciência coletiva sobre as dimensões dos heróis e anônimos da resistência negra e seu recorte libertário no encontro de gerações e união na diversidade onde as heranças sejam visíveis e recorrentes.





porongos




terça-feira, 11 de agosto de 2009

LANCEIRO DA RESISTENCIA NEGRA




(AO ANDRÉ,FILHO DE UMA AMIGA GAUCHA)

Meu nome é André,
não sou Juca Mulato
nem Negrinho do Pastoreio
Sou Guerreiro da Resistência
do Memorial Ancestral
Guerreiro dos Pampas
das Planícies prateadas.

Meus Ancestrais aqui chegaram
traídos,trazidos e lutaram,
resistindo em todos os cantos
numa perspectiva de liberdade

Sou Guerreiro, Lanceiro Negro
Dos Prados, Charqueadas
Tropeiro,Carreteiro em Jornadas
Libertário de Farroupilha
na Resistência Negra destes Pampas
Penhascos, Rios, Arroios,Lagoas
e Mares.

Sou Guerreiro das Missões
dos embates ,guerras e insurreições
e das tradições do meu rincão
destas terras continental
raízes dos meus costumes

Sou Congo, sou Minas, Moçambique
remanescente de Porongos,
vítima de traições,genocídios,
Poncho Verde, Gavião...
Negro de Angola, da Costa, Ouro dos Pampas
pulsando a resistência e raízes racial
Sou Chapadas, navegante dos Prados
Guardião da Lagoa dos Patos,
onde invoco os Ancestrais.

Memória brasileira do meu Rio Grande
Sou a herança do presente
no meu passado, o futuro desta Nação
Lanceiro Negro, herói revelado
no seio de minha Mãe
com os olhos fitos no Guariba
Farol de minha liberdade

Severo D'Acelino/09

POEMA DA SOLIDÃO




A escotilha emperrada
e eu sem ver o Mar
sem sentir seu aroma
seu brilho, seu calor
sua bruma.

Esta escotilha que emperrou
amarelou com o tempo
desgaste da maresia
e a omissão do meu socorro.

Eu a brisa e o Mar encapelado
e eu, sem ver ...o Mar
Lua cheia, Mar agitado
Vento de proa, minha cabeça
rodando, pensamentos á deriva
soçobrando na tempestade.

Escotilha a meia nau
e o navio adernando de bombordo
num mar encapelado
numa visão embassada
meu ângulo de visão
não via a linha do horizonte
só brumas, ventos e tempestades
Eeo barulho das ondas
quebrando no costados
ampliando a cerração.

Fundear para não encalhar
soltar as correntes
chuvas intensas castigam a nave
e eu sucumbo na casa de máquinas
fazendo água, sem poder
abrir a escotilha para respirar
sentir a vida que murmura
lá fora.
A cerração não deu visibilidade
e meu coração de súbito,
sentiu a calmaria da Lagôa
depois do Mar.

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Quem sou eu

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SEVERO D’ACELINO. Sergipano de Aracaju, (47) filho de Acelino Severo dos Santos e Odilia Eliza da Conceição – Fundador do Movimento Negro em Sergipe; Bahia e Alagoas – Ativista dos Direitos Humanos – Poeta , Dramaturgo , Diretor Teatral , Coreográfo , Pesquisador das culturas Afro indigena de Sergipe , Ator . Em 68 fundou o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves em 73 os Cactueiro Cênico Grupo e Teatro GRFACACA, introduzindo o Teatro Armorial e o Teatro de Rua em Sergipe. Dirigiu diversas peças e espetáculos de dança, entre eles: Maria Virgo Mater Dei, O Mistério da Rosa Amarela, A Última Lingada, De Como Revisar Um Marido Oscar, Terra Poeira in Cantus, Navio Negreiro,Água de Oxalá, A Dança dos Inkices D’Angola, Iybo Iná Iye, João Bebe Água. No Cinema interpreta Chico Rey , Espelho D’Agua e na Televisão: Thereza Baptista Cansada de Guerra. Autor de diversas peças textos e coreografias destacando a Suíte Nagô. Casado, Militar Reformado da Marinha de Guerra do Brasil. Coordenador Geral da Casa de Cultura Afro Sergipana.