sábado, 3 de outubro de 2009

KINTALÉ - O PAGODE DA RESISTÊNCIA


KINTALÉ
O PAGODE DA RESISTÊNCIA
BY Severo D’Acelino.

Passando Pelo córrego do rio vaza barril, Mulungu parou para esperar pelas mulheres que lhes acompanhava com o bando, vindo da vila de Japaratuba onde participaram de um ritual dos nagôs, lá para as bandas da pedra de ará. Estava preocupado mas tinha que sorrir para manter o bom humor do pessoal, a sua preocupação era a encomenda que acertara com o fazendeiro e era chegada a hora de entregar e até então não tinha juntado os animais e não tinha se encontrado com o cigano.
Deitou pra descansar e aguardar a chegada do pessoal para irem pro pagode, que nesta noite prometia e tinha que se encontrar com alguns companheiros para saber noticia de João de São Cristovão para se inteirar se ele conseguiu a coroa para o reinado deste ano.

Deitado, acabou dormindo e sonhou com multidões de negros sobre sua proteção, carroças e carros de bois chegando com fazendeiros e senhores de engenhos que vinham negociar com ele como negociavam com os comerciantes do Maruim. Sua fazenda era grande e cheia de vida de risos, alegrias e mantinha o brilho da liberdade garantida nas trocas e nas produções. Era seu Quilombo Libertário sua fazenda da liberdade o Éden que o Padre, tanto lhe falava quando ele passava um pouso na Igreja, para descansar das tropas de Batista.

Deu um salto e se esgueirou mato a dentro, em seu sono, não perdeu vigilância e o alerta natural de sua sobrevivência. Era o grupo que se aproximava e sua aproximação era denunciada pelo baque da terra e afastamento dos galhos, uma vez que o bando nunca quebrava galhos ou folhas, era o aprendizado dos índios e ele mantinha sempre com seu grupo como prática de camuflagem, era por isso que os batedores da policia tinham dificuldades em segui suas trilhas.

De atalaia aguardou o grupo se aproximar e se juntou a eles agora em nova parada para descanso e aguardar o sol baixar, pois era melhor agora se movimentar a luz da noite, que para eles era a mais clara, pois todos sabiam que as tropas estavam nervosa, era dezembro e havia no ar um surto de sublevação, era a já tradicional a famosa Calenda de Natali, o medo dos senhores de engenhos e fazendeiros, dos ataques dos negros. Era o massacre há muito anunciado e que era temido por todos, nesta data.
Para relaxar, Mulungu desafiou Manuel Jurema para uma luta de facão, Maximiliano ficou preocupado com as batidas dos facões que seriam ouvida de longe e isso, deu por encerrada a exibição o que Manuel Jurema usou seu facão para se exercitar individualmente, no que foi seguido por todos. Era uma seqüência de saltos, pulos e investidas que eram dados em inimigos ocultos, uma coreografia e agressividade que certamente a força policial não gostaria de ver, rasteiras, cambalhotas e golpes deferidos no ar, deixaram os participantes mais cansados que a longa viagem de Japaratuba para Laranjeiras.

Quisanga chamou Belmira para estar com ele no pagode porque não queria ficar com Anastásia pois soube que ela jogou uma mão cheia para ele ser capturado de volta ao engenho. Seguiram em direção ao pagode, a reunião era no Kintalé nas barbas das autoridades que sempre relegava o batuque naquelas matas.
Cornélio, Maximiano, Lauriano, Jacinto, Victorio, Alexandre, Cupertino, José Maroim,Horácio, José Quisanga, Benedito, Luiz, Barnabé, Belmira, Francisca, Thomásia, Luzia,
Joaquim, Vicência, Carlota , Conceição e Anna Rita,Manuel Jurema,Leonildo, faziam parte da comitiva, deram entrada no pagode e já tomaram parte da animação, cantando, dançando, bebendo e se abraçando. Mulungu entrou por último e foi se encontrar com Manuel Jurema que foi na frente fazer os contatos e observar o local. Manuel Jurema era o segurança de Mulungu.

O Kintalé era o quartel geral da resistência negra, era ali, através do pagode que os negros se racionavam e atualizavam as referencias, trocando informações e dando conta das ações individuais, coletivas e passavam a limpo os acontecimentos gerais das vilas e dos agrupamentos. O Pagode da Resistência era do domínio de poucos e muito se articulavam com os manifestos de lá que era divulgado na feira e difundido nos engenhos e fazendas
.
O bate-coxa e a samba de roda estava em alta no pagode, que na voz de Vicência e de Barnabé animava a festa que esquentava a luz de lamparina e das fogueiras. Muito versos de desagravo, maldizer, exaltação. Mulungu pegou uma cumbuca de cachaça e foi se reunir com o grupo do cigano para tratar da encomenda do fazendeiro que teria que ser entregue o mais rápido possível, pois ele tinha que prosseguir uma demanda lá pelas bandas de Brejo Grande e precisava do dinheiro para preparar a jornada.

O africano que estava com o grupo, afiançou que sabia onde encontrar os ciganos e com a ajuda de mais algum do bando, estava garantida a entrega e queria uma rés para o pessoal do rancho de Maruim que estava falado há mais de mês e ia pegar na fazenda de lá mesmo e já tinha ali com ele um cavalo e dois carneiros que trouxe para fazer negócio com um comerciante de Laranjeiras logo que o dia amanhecesse ele estava no local do encontro. Mulungu mandou Manuel Jurema verificar o lote para ver se valia apena juntar a encomenda e um cigano foi com ele para conhecer e na volta vieram acompanhados do sargento que trazia recado do fazendeiro que Mulungu tinha negócios.

O sargento veio informar que a entrega da encomenda tinha que ser em outro local, pois as tropas de Batista estavam fazendo batidas nos engenhos e fazendas em busca de dois negros que foram embarcados em Maruim mas que fugiram e se não morreram afogados estavam na área. Os Escravos estavam indo com destino da Bahia e de lá iam para o Rio de Janeiro e eram do Coronel e por isso as tropas do Batista estavam empenhadas em encontrar os fugitivos. Mulungu levantou e falou do seu sonho, de suas noites mal dormidas só pensando em ter um grande lugar para ter diversos ranchos e negociar com esses coronéis. Acertou a entrega e foi se juntar aos pagodeiros.

Ao longe se ouvia não se sabe aonde um som animado dos negros no pagode, som que se juntava a outros batuques, era a festa dos negros , dentro e fora das senzalas dos engenhos e das fazendas, manifestação tolerada pelos senhores e pela igreja, no mato a curimba dos africanos saudavam os orixás e caboclos em ronda pelas matas guiando novas levas de fugitivos.

O porto estava abarrotado de embarcações e tinha um navio de passageiro, a vila estava acordada com as movimentações no cais, onde marinheiros buscavam os barqueiros para se divertir, dentro e fora das embarcações. O mestre Calu, um barqueiro africano e muito temido no porto, mandou um barril de cachaça para o pagode com recados a Mulungu, para que ele fosse a sua barraca que tinha noticias para se confirmar com o povo de T’Herculano na noite do Inhame.

Romana chamou Luiza para ir na choça de S’a Belmira que a Malotina estava com dores de parto, soube ali mesmo pelo velho Quintino que veio a mando de mestre Calu. Saíram as duas em companhia de Horácio, Barnabé , Thomásia e Horácio, com o consentimento de Mulungu que ficou de tocaia bebendo com os demais, sob as vistas de Mana Caipora, sua protegida e cuidada por todas as mulheres do bando, tinha pouco mais de 12 anos quando seu pai antes de morrer, mandou que ela procurasse o pouso de Mulungu e lhe mostrasse a Cabaça com os guizos, desde então era presença constante no bando e conhecia como ninguém, os segredos das matas, daí o nome Caipora.

Mana Caipora era temida até pelos ciganos, eximia domadora de cavalos e conhecedora das ervas e da mata, em sua passagem não ficava trilha, era por isso que nos mais diversos pousos e ranchos, ela estava presente, junto com Mulungu e seus companheiros. Muito diziam que ela se invultava, quando não estava com o bando estava a serviço dele junto com os feiticeiros, era uma menina virgem e matava friamente, suas vítimas eram devoradas pelos bichos.

Mulungu continuou o seu contato e sua farra e todas as mulheres ali sabiam que não podia sair para se deitar com ele, pois a jornada de Japaratuba era sabida por todos, uma obrigação que fazia sempre com as velhas que lhe protegia, mas no fundo tinha uma dúvida, um alerta insatisfeito, era a traição que estava no seu caminho, por ciúme de uma mulher. Calado, preocupado não comentava nada, atendia a todos os mandados dos mais velhos, principalmente quando lhe mandavam segui outras trilhas, outros rumos e ranchos.

Mana Caipora conhecia os pensamentos agonizados de Mulungu e movendo sua cabaça, silenciosamente, desviava esses pensares e mandava para outro fazer.
Com o cantar do galo, o grupo se movimentou para seguir jornada e Mulungu, sugeriu irem ao rancho da Pedra Furada e passar no pouso de Malotina para se juntar com os demais e aproveitar para levar umas galinhas para sua comadre. Seguiram todos em grupos e caminhos distintos , o grupo de Mulungu estavam Manuel Jurema, Mana Caipora, Conceição, Inez e mais dois, seguiram pelo lado norte em direção da Comandaroba os outros seguiram por outras trilhas. Quando o grupo de Mulungu chegou no pouso de sua comadre, havia choros de criança recém nascida, eram gêmeos e receberam os nomes de João e José por terem nascidos laçados, Malotina estava de pé, dando o peito para as crianças e assim que viu Mulungu entregou-lhes as crianças e disse que o batizado era dos dois. Recebeu as galinhas e mandou suas amigas puxar os pescoços para fazer o pirão.

Depois de muito prosar seguiram para Pedra Furada e la procuraram local para descansar após terem tomado banhos no riacho e se reunirem com os grupos ali arranchados. A noite rumaram para Maruim afim de se juntar aos ciganos e entregar a encomenda ao fazendeiro. No caminho Mulungu se separou do grupo, indo com Mana Caipora e Manuel Jurema no pouso de mestre Calu, para receber os conselhos e saber do mando de T’Herculano na noite do Inhame. Assim que chegou mestre Calu lhe chamou no canto e lhe passou as informações, mandando que fosse para outras trilhas evitando Rosário e Divina Pastora e que fosse com pouca companhia, e deixasse com ele a menina. Cuidado com o canto do galo quando estiver deitado com mulher. Esses foram os mandos de T’Herculano. Dalí seguiram para o Corte de Inhame onde participou do ritual e na hora do galo, seguiu com Manuel Jurema para Maruim, deixando para traz, Mana Caipora, obediente e calada, com mestre Calu como foi mandado pela boca de T’Herculano.

Os ciganos entregaram a encomenda e aguardaram o pagamento, o restante da encomenda foi juntada e Mulungu entregou no local combinado, os cavalos, as rés, os carneiros, recebeu o pagamento e mais duas armas descarregadas, com o serviço prestado se juntou com os ciganos e negociou as armas um cesto de galinha e pagou o combinado. Se separaram e seguiram para o rancho nas matas do engelho de Maria Teles onde Conceição tinha se refugiado. Maruim estava com muito movimento por causa das fugas dos escravos do coronel e eles tinham que tomar outros rumos.

Conforme o mando do mestre Calu , Mulungu dividiu o bando, repassou o dinheiro, as armas e segui trilha mata a dentro em direção do sertão, rumo ao rio, com Manuel Jurema, para passar um tempo em silencio e buscar outros pousos. Chovia intensamente e Conceição abrigou seus companheiros e Mulungu e Manuel Jurema seguiam caminhos montados em seus cavalos calados e atentos a todos os ruídos e batidas.

O tenente João Batista Banha, depois do fracasso da diligencia dos fugitivos do coronel, aprisionou um dos companheiros de Mulungu e intensificou a diligencia ao chefe, tido como o mais feroz dos quilombolas. Mulungu evitou as vilas de Rosário e Divina Pastora e seguiu para o rio pelas matas de Itabaiana, Gloria, Gararu. Buscou nesta vila o apoio de um negro do rio, grande rezador que lhe levou no barco até Brejo Grande onde se juntou aos negros de Brejão e ficou por uns tempo até que finalmente foi para a aldeia dos índios em Porto da Folha, passando um bom tempo em Mocambo a beira do rio.

Sentiu que já era tempo de voltar e desceu até a Serra Negra indo se juntar aos arranchados de lá, onde passou com seu novo bando uma temporada até ser chamado para voltar a Brejo Grande para a festa dos negros revoltados.

onde chegou e foi acolhido em Brejo Grande e quando souberam de sua presença, seguiu para a Ilha do Ouro, de lá para o rancho dos índios em Porto da Folha , Mocambo, na beira do Rio

Em Laranjeiras mestre Calu adoeceu de uma contenda com outro feiticeiro e Mona Caipora definha silenciosamente de saudades de Mulungu e antes mesmo de ser atendida por T’Herculano e as velhas, desaparece no mato e morre, tendo seu corpo recebido pela terra que cobre de relvas e folhagens, protegendo a inocência da guerreira da mata, protetora e protegida de Mulungu.

O silencio foi o baque no coração do guerreiro. Mulungu emudeceu ficou desatento, se separou mais uma vez do grupo e seguiu as estrelas nas matas densas, andando á deriva até que foi, foi alcançado por Manuel Jurema com os demais companheiros e passando por Divina Pastora e Rosário, chegou em Riachuelo e, fez pouso no Engenho Flor da Roda em Laranjeiras, onde Severino, despeitado por nunca ter sido aceito no bando, e com ciúmes, pensando que seus filhos , os gêmeos de Malotina eram de Mulungu, mesmo sabendo que ele era o padrinho. Sabendo da presença do tenente João Batista Banha nas proximidades, foi ao seu encontro e denunciou o pouso de Mulungu, no bananal do engenho flor da roda, onde pego de surpresa, durante o sono, foi preso com seus companheiros sem poder dar batalha.

Mulungu, amarrado com seus companheiros foram levados para a capital e na estrada teve outro sonho em outra região, onde comandava seus guerreiros de corpo fechado contra as traições. Durante a jornada era acompanhado a distancia por diversos grupos comandados por seus guerreiros. Ao longe ouvia o som e cantares do Pagode do Kintalé e as batidas dos nagôs.

OGUM EH PATAKOURI

Em São Cristovão o negro João, era coroado Rei da Congada e os índios, invadiam a vila para soltar seu pessoal presos na cadeia pública. Era a resistência em movimento. A musica suave ainda ecoa.

SEVERO D’ACELINO/2009

KINTALÉ O PAGODE DA RESISTÊNCIA.:

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SEVERO D’ACELINO. Sergipano de Aracaju, (47) filho de Acelino Severo dos Santos e Odilia Eliza da Conceição – Fundador do Movimento Negro em Sergipe; Bahia e Alagoas – Ativista dos Direitos Humanos – Poeta , Dramaturgo , Diretor Teatral , Coreográfo , Pesquisador das culturas Afro indigena de Sergipe , Ator . Em 68 fundou o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves em 73 os Cactueiro Cênico Grupo e Teatro GRFACACA, introduzindo o Teatro Armorial e o Teatro de Rua em Sergipe. Dirigiu diversas peças e espetáculos de dança, entre eles: Maria Virgo Mater Dei, O Mistério da Rosa Amarela, A Última Lingada, De Como Revisar Um Marido Oscar, Terra Poeira in Cantus, Navio Negreiro,Água de Oxalá, A Dança dos Inkices D’Angola, Iybo Iná Iye, João Bebe Água. No Cinema interpreta Chico Rey , Espelho D’Agua e na Televisão: Thereza Baptista Cansada de Guerra. Autor de diversas peças textos e coreografias destacando a Suíte Nagô. Casado, Militar Reformado da Marinha de Guerra do Brasil. Coordenador Geral da Casa de Cultura Afro Sergipana.