Este instrumento é um indicador da diversidade do patrimônio afro sergipano que busca contribuir para a visibilidade da nossa exclusão enquanto negros e detentores da mais rica e expressiva manifestação.
Haverei de vencer as barreiras que se erguem contra a edição do meu livro e, certamente darei a minha comunidade, contribuição importante, na mudança de comportamento e atitude. Severo D'Acelino
Visões do Olhar em Transe é em verdade um transe, onde a alma se liberta do sepulcro da carne para chorar suas dores e soluçando na amargura de seus desencantos viaja nas asas dos sonhos para reconstruir o mundo que as civilizações têm devastado. É o grito do negro arrancado á força do ventre de sua origem, silenciado pela cultura dominante e compelido ao processo criminoso do branqueamento. È o desespero desaguando no oceano da ternura que amargurada pela deserção de alguns combatentes, convertidos ao credo da europeização do mundo, banha-se nas águas lustrais da ira santa, na teimosia dos que não se calam nem se quedam diante das adversidades. É ainda um canto ao amor, sentimento que quanto mais se doa mais se embebeda de amplidão. Amor a vida, amor a natureza, amor aos pais, amor a mulher, onde o homem realiza a fusão que lhe ensina que a parte esta no todo que reflete cada parte, porque o universo é a unidade de todas as coisas.
Curtido na dor, Severo D’Acelino proclama: “ Meus versos são coágulos de sangue, resíduo de partículas da anorexia cultural”. Mas não se deixa abater pela amargura e grita ao mundo: “ É bom ser negro!” Não se desespera ante a deserção daqueles que deveriam com ele lutar pela mesma causa. É certo que essa deserção lhe dói na alma, e ele desabafa: “ Os piores negros são aqueles que se calam antes o linchamento de outros, tornando-se cúmplice do crime pela omissão e covardia”. De pronto, ergue-se como o leão do deserto e arremata que nem mesmo submetido á escravidão da cultura branqueada, sente-se longe da liberdade: “ Eu, meu Rei, sou Negro, sou Preto, vivo como escravo, mas sonho com a liberdade e por isso sou livre, mesmo discriminado.” Vivendo as adversidades do hoje, procura construir o futuro, mantendo-se fiel ao passado de sua gente, nele fazendo sua confissão de fé: “ Não busco a esperança no presente, meu futuro é meu passado, a grandeza de ser sem ter, mas sendo o que sou”.
Em sua caminhada pela vida, alma generosa e integrada que é, volta-se para a natureza agredida pela insensatez dos homens e chora a morte lente e continua do rio São Francisco. Seu lamento em forma de versos chora o rio que desaparece pouco a pouco “ Meus olhos argonauta do interior, viajam pelo São Francisco que tudo vê e nada pode contra a devastação de suas várzeas, lençóis invadidos, leitos assoreados, espelho partido” Sua poesia que transforma a revolta em esperança, quando fala do negro, permanece cética em relação á preocupação ecológica dos homens. “ Nela não há mais esperança para o rio da Unidade nacional: “ Erosão, seca e assoreamento históricos extinguiram meu rio”. “ O mar subterrâneo fala e nos diz a sua história. O Rio... era aqui !”.
A inspiração de Severo sabe que os poetas enxergam o futuro e por isso, sua dor é maior, quando antevê a morte do São Francisco, a luta sem trégua dos negros, a batalha infindável contra os preconceitos. É ele próprio que afirma: “ O poeta conta a sua história antes que aconteça, é o profeta dos atos, sentinela dos tempos.” E suspira pelo advento de um tempo, onde os homens sejam medidos por sua capacidade de se refazerem dos tropeços: “ O que fazemos não define o que somos; o que nos define é como levantamos depois de uma queda.”
O social e o ecológico que ao lado das tradições, cultura e religião dos seus ancestrais foram foco referencial de suas meditações, não impediram de revelar seu lado romântico e amoroso. Exaltou o amor filial que o liga permanentemente aos pais, cantou o amor incondicional pela irmã cuja partida para o plano espiritual balsamizou-lhe a alma de saudades e cantou o amor da mulher que lhe enriqueceu o coração, mas que ele, parece desejar na penumbra, longe dos olhares curiosos dos leitores. “Meus olhos inquietos procuram a luz que irradia crepitante por cima das ondas... e encontrei você.” E quase que falando em segredo, declama: “Esse braço é um olhar que vê cura, alimentando a alma, iluminando a noite escura, a paz do meu viver. Seu abraço fortalece o brilho do meu olhar na sacralização do prazer.”
Dirigindo-se a mãe, D’Acelino lamenta e indaga: “Quem viu a sua partida. Quem fechou seus olhos e velou sua passagem para os nossos Ancestrais? A noticia foi traumática, enlouqueci e rastejei como um alucinado. Minha amiga, meu xodó, minha força e luz! Oh mãe eu estou só. Sinto falta dos gritos, da sensação de desconforto nas suas criticas e descomposturas.”
E do mesmo modo como canta saudades da mãe, Severo terce um hino de louvor ao pai: “Meu pai é eterno, minha esperança transformadora, sem eusência de ternura, colo seguro, ombro amigo, berço dos meus soluços, socorro da minha perdição. Meu pai é a sombra do meu descanso, alívio de minhas dores. Meu pai, Rosa dos ventos afortunados.”
E revelando a intensidade de sua ligação familiar, derrama saudades na lira que canta a partida de sua irmã. “Amanheceu chovendo em meu coração. Meus olhos lacrimejaram na lembrança de uma saudade recente.” E mais adiante, manifestando sua crença na imortalidade: “Você é uma estrela fulgurante na constelação dos Ancestrais.
Nós nunca morremos, viramos estrelas!” Poeta que celebra a vida, canta a dor, desenha a esperança, bebe o vinho do amor, enquanto dedilha a lira da saudade, Severo coloca na tela do seu verso tudo isso, numa frase pequena, singela e sábia: “ A tristeza é senhora de minha alegria.” Não há poeta que não seja triste porque ele chora as dores do mundo. Não há poesia sem paixão nem versos sem delírio. O poeta é a lenha que alimenta a chama crepitante; é o próprio fogo que aquece, consome, devora e escreve nas moléculas das cinzas, sua mensagem para os corações sensíveis. Severo D’Acelino é tudo isso e muito mais.
DNÁfrica – A poesia de Severo D’Acelino em “Visões do Olhar em Transe”
No início, ele me disse, foram mais de mil poemas passados para o computador. Pensei: e ele quer que eu escreva sobre esses mais de mil poemas... Inevitavelmente eu teria que varar noites e madrugadas de leitura em péssimas condições de cansaço físico e mental. Um trabalho que não estava agendado, portanto sem horário disponível, a não ser depois de tudo de cada dia. O tempo dado para a entrega dos meus comentários analíticos para o livro “Visões do Olhar em Transe” – poemas transculturais afro-sergipanos – de Severo D’Acelino não fora regulamentado. Ele falou: Não se preocupe, leia isso no tempo que puder, mas eu preciso do seu texto neste livro. Impossível recusar. Até porque a conversa pelo telefone não dava margens a explicações do que é o meu Tempo, isso que não sobra hora alguma. Sou (estou) programada nos três turnos, com disciplina alimentar e respeito ao sono.
O calhamaço dos originais enviados por Severo D’Acelino, contendo 526 páginas, ficou ali na mesa de cabeceira me olhando e eu desviando a vista, por uma semana. Enfim, li a primeira página: o trabalho marca os 40 anos da Casa de Cultura Afro-sergipana, entidade fundada por Severo, que também comemora seus 60 anos de vida. Aí parei. A coisa era mais séria do que eu supunha.
Acompanho a trajetória desse sergipano e sua luta étnica pela cultura negra desde sempre; estive presente na formalização da Casa de Cultura Afro-sergipana, em outubro de 1968 – anos depois chamada, como jornalista e aliada cultural, a registrar o descaso de alguns governos para com a entidade, seu autor e seu reduto. Dores flambadas no azeite da luta pela memória e tradições da Cultura Negra. Dores fermentadas e urdidas em gritos que se foram tornando poesia ao longo do caminho.
Quando alguns amigos alçaram condições de poder, como o jornalista Luiz Antônio Barreto à frente da Secretaria Estadual de Educação, Severo mostrou serviço na área pública, palestrando e dando aulas em escolas da capital e do interior, levando um exemplo de cidadania e valores culturais em sua própria maneira de ser, andar, falar, vestir-se, recitar, atuar, criar, poetisar...
Severo é um titã negro vendo o voraz processo de transformação social engolir valores fundamentais ao pensamento e identidade cultural de sua orgulhosa raça. Não um velho arquejante sob o peso da memória de África, mas um minotauro mimético, herético e revigorado pela consciência histórica da sua luta. Seus gládios: a caneta, o giz, o papel, o palco, a tela de cinema e TV, o computador, ferramentas de ampliação da sua voz, idéias e ideais. Do bem, notoriamente, um aguerrido guerreiro.
E assim fomos vendo Severo D’Acelino fazendo e acontecendo, construindo a identidade afro-descendente de feição sergipana, resgatando a memória dos ancestrais e seus rastros culturais, religiosos, comportamentais e suas histórias; formatando um novo horizonte para os negros na perspectiva de sergipanidade, em condições de igualdade escolar, universitária e profissional. Utopia? Que poeta não seria? Escreveu e publicou livros. Ganhou fama e reconhecimento.
Ganhou o respeito e a amizade de intelectuais e artistas. Hoje configura os 12 pares do Conselho Estadual de Cultura, membro assíduo e pertinente como base popular. Aos 60 anos, nada mais justo que uma cadeira no Conselho de Cultura, para sua contribuição memorável. Até aí, tudo nos conforme cármicos de causa e efeito. Até que me chega aos olhos “Visões do Olhar em Transe” e cresce em proporções gigantescas a minha admiração pelo autor de tão intensa e diamantina poesia.
Água suspensa no mar desértico, não posso dizer da surpresa que foi constatar a evolução poética de Severo D’Acelino. Do seu último título lançado, Pan’África, a este embrião de livro concebido em transe, como se numa viagem intergaláctica transportouse a alma do poeta para o âmago do seu DNÁfrica, agregando conhecimentos da filosofia “branca” e da mitologia grega, mesclando numa memória primitiva todas as raças para crescer e se projetar, ele mesmo, como metamorfose ambulante, pensante e um senhor poeta, consumado em “Visões do Olhar em Transe”.
Excelente, é pouco, o livro está lindo; lindíssimo trabalho de alma que Severo D’Acelino oferece com generosidade às mentes cultas e aos espíritos quebrados pelas dores e preconceitos que se encontram em toda parte, também no âmbito transcultural. Poesia de identidade negra, sergipana de raça. Mais que um resgate étnico, um deleite para os seres poéticos de todas as raças e tribos.
Eu, portuguesa-espanhola-holandesa e tupinambá sou da tribo de Severo, ainda que não tenha DNÁfrica na genética poética, mas a alma que anima o vôo do pensamento nas asas do sentimento e da emoção. Com muita razão recomendo a publicação deste livro para que um maior número de leitores possa sentir e conferir o salto quântico de Severo em “Visões do Olhar em Transe”.
COMENTÁRIOS ANALÍTICOS – PSICO (ANÁLISE)LITERÁRIA Professor Rivaldo Sávio de Jesus Lima*
Estava certo, não me enganei. Quando vi (e ouvi) Severo pela primeira vez, e isto lá vai uns bons anos, vislumbrei através daquela voz de trovão, tal como um orixá, um homem doce e sensível, voltado para um ideal humanitário – a causa do negro brasileiro -, e isto acaba de se confirmar na materialização do seu último livro: “Visões do olhar em transe – poemas transculturais afro sergipano”.
D’Acelino, este guerreiro D’Angola ou talvez da Guiné, tratase de fato e de direito de um negro assumidamente sergipano (ou seria ao contrário?), que pensa África mais fala Brasil.
Outrossim, é um Educador no sentido mais profundo desta palavra, pois transmuta almas, indo no imo da sua essência. Busca na periferia de Aracaju, no interior do Estado, nos quilombos e nas comunidades carentes e marginalizadas, freqüentadas pelos políticos (brancos e negros) apenas em épocas de eleição, conscientizar esta população mulata, parda, negra de fato, da sua condição política, social e racial. Este professor politizado e de atitude, muitas vezes foi considerado rude, agressivo até. Porém, tem fleuma bastante para cativar as platéias, pois fala com seu coração, fala da sua experiência mostrando sua verdade e sua conseqüente indignação com o sistema social perverso e excludente e que remonta os primórdios da nossa colonização extrativista e preconceituosa, cheia de dogmas e interesses mesquinhos.
Pois bem meus amigos, este ator, esta “figura carimbada”, por ser difícil de se encontrar na raça humana, me convidou (e me emocionou) para analisar a sua obra poética e biográfica. Trabalho árduo, e ao mesmo tempo prazeroso, que pretendo iniciar. Dessa forma, numa primeira leitura de seus versos, observase três facetas do poeta: uma de caráter público e cidadão, outra familiar e ancestral e, por fim, uma terceira emocional e psicológica.
De certo a segunda e a terceira faceta me parecem mais associadas, pois remontam seus aspectos mais íntimos, enquanto que a primeira trabalha um homem mais social, e que, ao mesmo tempo, que se mostra para o mundo, se fecha em seus detalhes mais pessoais. Na primeira faceta o autor volta-se para o entendimento do negro brasileiro, para a questão do racismo e para a carência de políticas públicas educacionais.
Aponta a necessidade de uma democracia social mais ampla e verdadeira ao invés de cotas universitárias discriminatórias ou de um apartheid social velado. Coloca, ainda, em seus versos ácidos, que o negro é capaz sem precisar de um “empurrão” dos brancos, mais sim que estes negros precisam ter seus direitos de cidadãos garantidos na íntegra, ou seja, igualdade com os brancos desde a maternidade, na pré-escola e em todas outras condições previstas na sociedade.
Fala também, especialmente, da política sergipana e do seu desapareço por uma política educacional que questione a “história oficial”, levantando a verdadeira e marcante influência africana em nossa cultura, além de discutir nas escolas (de forma obrigatória e legal) a questão racial em Sergipe e no Brasil, conscientizando os jovens da sua condição e desenvolvendo com estes alternativas próativas para estruturar uma verdadeira democracia racial e social.
Na sua segunda faceta, remonta o autor sua família e sua ancestralidade africana, através dos arquétipos da natureza e da religiosidade. O próprio Severo afirma: “não procuro ancestrais dentro de min, porque sei que estou no interior deles”. Percebe-se nesta fala do poeta uma força telúrica e espiritual, representadas muitas vezes pelo Rio São Francisco e seus mitos, na floresta tropical e em seus índios, no mar e nos mistérios de Iemanjá. Mais também fala da energia solar que pode dar vida e ao mesmo tempo castigar, fustigar e ressecar o solo e a nossa alma. Este é o espírito de Severo: místico e ecológico, mágico e natural, Homem-Rio caudaloso e refrescante. Na terceira vertente, D’Acelino trabalha suas emoções e seu psiquismo. Seus versos “expressam os meus encontros nos desencontros da emoção e construção do meu pensamento sem nenhum rastro de racionalidade”. Desenvolve sua auto-estima e identidade psicológica, através de símbolos arquetípicos inconscientes, “prato cheio” para os Junguianos de plantão.
Encontramos também um homem apaixonado, com seu olhar platônico preso pelo magnetismo do olhar de sua amada. Manifesta este amor romântico que me faz lembrar uma paixão adolescente, misto de pureza, doação afetiva e sensualidade. No entanto, encontramos também um homem maduro, calejado pelas intempéries do tempo, repleto de aprendizagens/ensinamentos. Um homem, às vezes triste, outras vibrante, inquietante. Que denuncia de forma dramática, porém realista, a sua condição de negro, preto, de cidadão brasileiro.
Aponta em alguns momentos suas dúvidas quanto à intelectualidade, quanto à academia – lócus do conhecimento -, que ao invés de se abrir e voltar-se para a cultura e o social, limita-se tão somente aos seus egos inflados, seus títulos do Olímpo, se elitizando cada vez mais e ficando longe deste povo moreno, pobre e ignorante. Enfim, falar deste livro era inexoravelmente falar deste homem que tanto admiro. Guerreiro, não da Guiné, do Quênia ou da África do Sul, mais sim das “savanas” sertanejas. Não do nativo do Vale do Rio Nilo ou do outrora escravo construtor das Pirâmides do Egito, mais do ribeirinho do Rio São Francisco ou munícipe da Serra de Itabaiana. Falar de Severo é falar dos vaqueiros, das rendeiras, dos cangaceiros e do sanfoneiro que anima o forró, ícones que tão bem traduzem a cultura deste povo nordestino miscigenado, e que estão na essência espiritual deste guerreiro brasileiro que já luta bravamente há 60 anos.
* É professor do Departamento de Psicologia de UFS.
Visões do Olhar em Transe, de Severo D’Acelino, é um trabalho poético que consta de 450 poemas, onde os mais diversos temas são abordados: autobiografia, negro, racismo, a natureza, rio São Francisco, mitologia, religiões, filosofia, amor, política, justiça etc. Sinto-me habilitado para comentar esse livro pelo conhecimento que tenho das atividades do autor. Trabalhei com Severo de dezembro de 2003 a janeiro de 2005 na Casa de Cultura Afro Sergipana (CCAS). Durante o convívio profissional com esse ilustre representante da intelectualidade sergipana, aprendi muito sobre o legado, cultura, religiosidade, história, sociologia, antropologia e geografia do negro em Sergipe.
Participei no Projeto Educacional “João Mulungu vai às Escolas”. Projeto ligado às manifestações das tradições históricas das localidades sergipanas, tendo como eixo os indicadores culturais, enfatizando as etnias que mais contribuíram para esses indicadores e que se apresentam com mais visibilidade no conjunto da população. O projeto teve como tema central a influência do negro e do índio na cultura sergipana, buscando oferecer vínculo com a cultura e arquivo humano local, como estratégia pedagógica para tratar da exclusão desses elementos étnicos.
Confeccionamos alguns cadernos pedagógicos e outros deixamos no prelo. Esse material fora desenvolvido de acordo com a pedagogia da educação inclusiva – algo já trabalhado pela CCAS antes mesmo de se tornar modismo disfarçado em “palavra de ordem” nos parâmetros da Educação Nacional.
Praticamente um ano e meio após encerrarmos nossas atividades, tive o privilégio de receber desse “preto de Zambi” o convite para elaborar este artigo. O título do seu trabalho me chamou a atenção sobre que olhar e que transe seriam esses.
Enquanto Severo comentava a respeito de sua proposta nesse livro, lembrei de um ditado popular que diz: “os olhos são o espelho da alma”. Suspeitei que “os olhares em transe” fossem um transe da alma ou as visões de uma alma em transe.
Seria esse transe como o dos profetas, como o êxtase do santos, como o de Mohammad ouvindo o anjo Gabriel, como o das Iyalorixás? Como aquele do filme “Terra em Transe” de Glauber Rocha – de um povo oprimido sob a tirania da corrupção moral e política? – ou ainda, um transe em que todos pudéssemos estar vivendo inconscientemente?
Vislumbrei cada uma das 450 visões de Severo expressas nesse livro. No começo, me veio à mente um filme do cineasta espanhol Luís Buñuel, que começou com a célebre cena de um lindo olho feminino sendo rasgado por uma navalha. Ele queria, a meu ver, abrir abruptamente os olhos do povo para uma nova realidade. Essa mesma cena foi reutilizada por Salvador Dali em Un perro andaluz, filme deveras surreal. Será que Dali estaria mostrando o surrealismo àquele olho rasgado? Penso que Severo pretende o mesmo que Buñuel e Dali: “rasgar com navalha” nossos olhos, para que vejamos aquilo que está oculto à nossa visão objetiva.
Quando fui à CCAS receber a cópia dos poemas, notei que havia na fachada um “banner” com o Olho de Hórus. Não um olhar qualquer, mas o do Onipresente, Onisciente e Onipotente Hórus. Deus negro do mundo dos vivos no antigo Egito faraônico. Sobreveio- me a recordação de uma estátua de bronze da divindade negra, da época saíta, atualmente exposta no Museu do Louvre em Paris.
Nela, ele aparece em forma antropozoomórfica, com cabeça de falcão, as duas mãos estendidas, quase juntas, entre reto e côncavo, diante do peito, apontando para frente. Parece que o artista esculpiu o Deus-Falcão como querendo dizer alguma coisa, mostrar algo. E eu fitei a imagem, interroguei, sem perceber quase adorando. Hórus parecia dizer: “retidão”, “siga”, “olhe”, “receba”. A voz de Hórus ecoou confusa na minha mente.
Seu olho no “banner” da CCAS ou no centro da pirâmide iluminista “tudo vê”. Ilumina as trevas da ignorância. Existe uma semelhança entre o Olho de Hórus e as Visões do Olhar em Transe: iluminar e dissipar a ignorância! Ressalto os olhos protuberantes das belíssimas cabeças de bronze nigerianas. Olhares sofridos, revoltados com o imperialismo europeu que com mão de ferro transformou o Continente numa colcha de retalhos etnocida.
Acima de tudo, os olhos transmitem poder. O simbolismo do olhar está presente em todos os cantos do mundo, da África ao Japão. Orixás quase sempre dançam de olhos fechados. Dificilmente vemos uma representação iconográfica dos Deuses Africanos mostrando os olhos.
Olhos transmitem poder, tanto para o bem quanto para o mal. O monge japonês Mikao Usui, desenvolveu uma terapia holística de cura chamada Reiki, onde são utilizados os “chacras” das mãos e os olhos para transmitir a poderosa energia de amor universal que tem o poder da cura.
Já no imaginário popular, que convencionalmente chamamos de superstição, existe o “olho grosso”, “olho grande”, “olho gordo”, “olho ruim”, “olhado”, “olho de seca-pimenteira”, que matam animais recém-nascidos, que adoecem crianças, que “atrasam” a vida de qualquer um que não estiver devidamente protegido.
O autor afirma que compôs olhares tristes, inquietantes, denunciadores, ácidos e dramáticos. Impregnados de linguagem simples e repetitiva. Versos vivos de ilusão duradoura, cheios de símbolos sem malabarismos, falando sobre o amor e a dor que há nele, como ícone de esperança.
Além do que os literatos chamam de eu-lírico, notei em Severo o “eu-espiritual”. As Visões são orações, são rezas de todos os credos, rezas de benzedeira, são oriki, são músicas cantadas com o espírito, são prosas de fim de tarde em boteco do interior, são ebós despachados em encruzilhada, são batuques para os Deuses. Também muitas vezes são versos secos. Alguns de seus poemas fazem a gente sentir sede.
Seu trabalho muitas vezes diz o que não se quer ouvir, o que se tem medo de encarar. É verdadeiro, e por conseqüência, incômodo. Incomoda pela quantidade de palavras em Ioruba, idioma de nossos tataravôs africanos. Talvez a única palavra que não caia no ridículo frente aos imbecis seja “axé”, por ter sido branqueada pela mídia, que acha ter descoberto o “exotismo” negro e ter vilipendiado em música alheia ao significado mesmo da palavra.
As demais palavras do Ioruba são alvo de gracejo pelos alienados, que ao contrário, se admiram com arremedo de meia-palavra na língua do império que nos subjuga: o inglês. Não é de se estranhar, há quem goste de ser dominado. Analogamente, durante o Império Romano, povos conquistados, que tiveram suas plantações, casas, mulheres e filhas violadas e saqueadas, procuraram a todo custo obter a cidadania romana. A subserviência cultural, baixa auto-estima e complexo de inferioridade são sentimentos conservados desde longa data. Questiono se esses alienados – que prestam vassalagem a tudo que é “vomitado” pela grande mídia e a tudo que é empurrado “cérebro adentro” pelo Tio Sam – também não estariam vivendo um transe.
Severo traz um poema-provérbio adequado para esses alienados:
“quem são arrogantes / com os pequenos / são subservientes / com os grandes”. Se observarmos bem, todos que são vassalos de poderosos são arrogantes com os “pequenos”. Covardes. E é bom lembrar o ditado: “nos capachos é onde se pisa primeiro”!
As Visões também são vozes. Vozes em kibundo, kicongo, ioruba. São gritos, mostrando que na África, a entonação da voz às vezes é tão importante quanto seu significado literal. Gritos históricos, por ser inolvidável no Sergipe silenciado e amordaçado pela elite nobiliárquica.
Um ponto interessante é quando Severo d’Oxóssi cita Candice Colle: “A verdade muda de cor conforme a luz da manhã, podendo ser mais clara que ontem. A Lembrança é uma seleção de imagens, algumas ilusórias, outras indeléveis na mente. Cada imagem como um fio. Cada fio, tecido junto para fazer uma tapeçaria de textura intrincada. E a tapeçaria conta uma história, e a história, é o passado”.
Se for correto que a verdade muda de cor conforme a luz da manhã, talvez seja ela dinâmica, abstrata e relativa. Analogamente, como ao passar da estação fria para estação quente as manhãs se tornam mais claras, assim o seja com a verdade. Nesse ponto, acredito que ainda estamos vivendo um grande inverno e o sol matutino ainda é uma esperança. Severo demonstra em seus versos a espera por esse sol.
Quando Colle comenta que “a lembrança é uma seleção de imagens”, reafirma o que os psicólogos comentam sobre o caráter seletivo da memória. Selecionamos inconscientemente o que mais nos interessa, o que nos marca. Sendo assim, o que marca a memória de um Oni Odé Olubojutô do Ilê Axé Opô Airá, de Mãe Eliza? Quais as suas lembranças, suas nostalgias, seu banzo ancestral? O que ele escreveria num livro de poemas? O que ele vê quando olha o litoral e tenta ouvir a África do outro lado, a terra da Aruanda?
Ainda de acordo com Colle, essas recordações são como fios tecidos juntos “para fazer uma tapeçaria de textura intrincada. E a tapeçaria conta uma história, e a história, é o passado”. Concordo com a afirmação de a história ser um todo intrincado de fios resgatados do lago de Mnemosine. História e memória relacionam-se intimamente. Quando nos referimos aos afro-brasileiros, essa idéia reforça-se ainda mais pelo fato de a tradição oral ser parte fundamental de seu legado. Suas tradições, costumes, lendas, vivências, mitos, falares, culinárias são transmitidos pela oralidade, que é por si, uma expressão da memória.
É de conformidade com minha formação de historiador que realizo tal reflexão. Em meu trabalho de conclusão de curso preocupei- me em reconstituir as idéias, a visão e a ação da violência atrelada ao senso de honra em Carira, lugarejo do interior sergipano, representando uma espécie de herança não material que figurou (ou ainda figura) naquela cidade. Teci alguns fios, tentei montar uma tapeçaria, como diria Colle. Acredito que em “visões do olhar em transe”, Severo tece fios de sua memória, de sua vivência, de seu cotidiano, de sua ancestralidade, da territorialidade sergipana, das politiquices que destroem o conceito literal de democracia, de moral, de república.
Dentro dessas considerações sobre o excerto de Colle atrelado ao trabalho de Severo, creio que seja interessante abrir aqui um parêntese para comentar um pouco mais sobre meu trabalho monográfico.
Nele utilizei a metodologia do Paradigma Indiciário de Carlo Ginzburg, pelo sentido de decifração de enigma, agindo numa atitude dedutiva, movida pela suspeita de um acontecimento singular, à margem dos acontecimentos históricos.
Estudei o assassinato de um certo Brazilino Dionizio de Menezes, suplente de subdelegado de polícia em Carira. Esse crime foi citado apenas nos dois trabalhos do memorialista Olímpio Rabêlo, mas sem a grande ênfase dada pela memória popular carirense. Nesse ponto, me vali do Paradigma Indiciário. Segundo a historiadora Sandra Jatahy Pesavento, esse paradigma consiste em: “Ir além daquilo que é dito, ver além daquilo que é mostrado (...) exercitar o seu olhar para os traços secundários, para os detalhes, para os elementos que, sob um olhar menos arguto e perspicaz, passariam desapercebidos”. Dentro dessa perspectiva, procurei entender por que mataram o citado suplente de subdelegado, buscando a constância dos detalhes, agindo de modo detetivesco, analisando cada elemento em relação ao conjunto. O método acima descrito pode ser chamado de “método da grelha” ou “grade de cruzamento”. Nesse método, os cacos da História – a dispersão dos documentos – tomados na sua rede de correspondência, apresentam-se como sintomas de uma época.
Então, esse método consiste em selecionar, cruzar, combinar, compor, montar, mostrar detalhes, destacar o que está em segundo plano. Fechado o parêntese, e tentando relacionar a observação quanto à minha monografia ao trabalho de Severo, retomo o excerto de Colle, “Cada fio, tecido junto para fazer uma tapeçaria de textura intrincada. E a tapeçaria conta uma história (...)”. Tecer fios de uma tapeçaria, e essa tapeçaria conta uma História. Ora, isso é basicamente, o “método da grelha”, da “grade de cruzamento”. É o Paradigma Indiciário.
Carlo Ginzburg no artigo Sinais, Raízes de um Paradigma Indiciário, diz que poderíamos comparar os fios que compõem uma pesquisa realizada com o método ora descrito aos fios de um tapete. Chegados a este ponto, vemo-los comporem-se numa trama densa e homogênea. A coerência do desenho é verificável percorrendo o tapete com os olhos em várias direções. O resgate da memória dos esquecidos, a “tecitura dos fios” de Colle, representa a analogia que estabeleço entre meu TCC e as Visões do olhar em transe. Assim como busquei um nome praticamente apagado da história carirense, Severo resgata o grito de um povo sofrido, de um rio quase-morto – o São Francisco – de uma natureza, Gaia, Nanã, que morrem aos poucos, vitimadas pelo capitalismo consumista, pela politiquice assassina.
Em Visões do olhar em transe, Severo vai além daquilo que é dito, vê além daquilo que é mostrado, tal qual os historiadores que utilizam o Paradigma Indiciário. Quando o autor escreve sobre o negro, a natureza, o rio São Francisco, está, como diria Pesavento, exercitando o olhar para os traços secundários, para os detalhes, para os elementos que, sob um olhar menos arguto e perspicaz, passariam desapercebidos.
Não percebi, em nenhum momento, demonstração de medo ou cautela desnecessária nas expressões dos olhares de Severo. Ele critica com honestidade. Não elabora crítica odiosa, rancorosa, ao contrário, empreende uma verdadeira elocução de sua vivência. Quantas vezes várias pessoas, sedentas de justiça, não quiseram lançar um manifesto como esse e não tiveram coragem, para manter a “política da boa vizinhança”. Severo demonstra não precisar disso. Ele mesmo me confidenciou certa vez – e eu acredito nisso – que “vive para a causa negra e não da causa negra”.
Severo é o arquétipo máximo de identidade da negritude sergipana. Em Visões 242 ele diz: “assumindo a identidade ancestral / luto contra os dominadores”. Acredito que de vez em quando alguém diz timidamente: “concordo com você, mas não tenho coragem de assumir”. Deveria dizer mais francamente: “sou impotente, covarde, subserviente”.
Quantos não pensam a mesma coisa que ele e sentem medo de desabafar! Temor de seus padrinhos, dos mandarins que Núbia Marques tanto acusava. Sergipe ainda é uma província – digo isso no sentido do atraso de seus costumes políticos e da maioria das instituições.
Observo uma sintonia das Visões com o novo olhar da História, a Micro-história italiana, perceptível quando ele comenta da busca no memorial dos ancestrais: “Meus são os momentos que viverei / não os que já vivi / busco no memorial do tempo / o tempo dos meus avós / cujo sangue corre em / minhas veias abertas para / visão de sonhos pensados / como uma casa sobre a ponte / por sobre o abismo que deixou / refletir a luz nas encostas”. Severo fala de uma herança, de uma herança imaterial, como bem afirma o microhistoriador Giovanni Levi em A Herança Imaterial.
Suas visões são como jangadeiros que passeiam pelo São Francisco, morada de Oxum Apará, Opará dos índios, Velho Chico, rio da integração nacional, assassinado dia-a-dia pela voragem destruidora de uma política malfadada em interesses outros que não ao que realmente deveria se propor.
Esse passeio poético pelo Opará não é como as excursões turísticas. É um cortejo fúnebre sob canto de incelença, que olha para o passado e lê as crônicas dos navegantes portugueses que diziam no século XVI, que dezesseis quilômetros depois da foz ainda se pegava água doce. Em Visões 84 o autor declama: “o rio grita encurralado, represado / e o mar, invade para chegar / ao olho d’água e desviar o rio”. Além do mar que avança rio acima, literalmente, aqui podemos fazer uma analogia com a corrupção que avança pelas entranhas da política, que tenta chegar ao olho d’água da moral e dos bons costumes para depois desviar seu curso.
Visões, também são as visões do próprio olho d’água, que tristemente espera sua morte, tal qual réu que aguarda sua sentença de morte. “O passado é um país estrangeiro. Lá eles fazem as coisas de maneira diferente”, assim começa o romance O mensageiro de L. P. Hartley. É interessante essa citação para contrastar com o que fazem hoje com o nosso Velho Chico. No passado era utilizado com respeito, hoje é aviltado, humilhado.
Quisera novamente que Odé Erinlé, que na África Ocidental transformou-se num rio, se transformasse novamente aqui no Nordeste, para ser tributário do São Francisco e ajudá-lo nessa longa jornada cheia de bancos de areia até a foz. Quisera que Ísis que com seu choro pela morte do marido-irmão Osíris, viesse chorar um pouco aqui no sertão para encher o São Francisco.
Seus poemas ecológicos não devem ser rotulados como ecologia hipócrita de falar de verde o tempo todo, sem promover ações. Ele denuncia o anti-ecologismo governamental do consumismo capitalista desenfreado que num pensamento imediatista não mede as conseqüências do amanhã. Severo não pára de cantar a agonia dos rios. Como nas casas de Angola, reverencia o ancestral da terra, o caboclo. O São Francisco é o pai Chico, caboclo d’água morto pela poluição. Lembra os versos de Vital Farias na música “Saga da Amazônia”, quando ele diz que as caiporas não vigiam mais a Floresta Amazônica.
O São Francisco pode um dia chegar a parecer com o rio seco por onde caminha a família do retirante Fabiano em Vidas Secas de Graciliano Ramos. Pelo gosto dos assassinos do Brasil, talvez um dia ele esteja assim, e esses mesmos hipócritas farão campanhas para ressuscitar o rio! Tal como os EUA fizeram no Afeganistão: jogaram bombas, para depois jogar farinha. Como diz o ditado: “o cachorro se parece com o dono”.
Severo denuncia o racismo. Esse racismo que cresceu após a Lei Áurea. Crime praticado, porém negado. É contra a polêmica política de cotas para o negro nas universidades. Acredita ele que essa política existe para legitimar o racismo estatal que classifica o negro como inferior ao branco. Uma chance para os inferiores, na ideologia da Política Nacional. O decreto de impotência do Estado, ante a problemática da educação no país. O autor percebe o racismo onde ele mais se esconde e se escamoteia. Percebe-o na mídia televisiva. Telenovelas com as empregadas domésticas sendo quase todas negras, quase todas promíscuas, “da cor do pecado”.
No Visões é usado constantemente o trocadilho da expressão “nego” por “negro”. Não “nego” com som de “nêgo”, mas de “négo” mesmo, do verbo negar. Negro que nega, racialidade invertida, branqueado a pulso. Negro que não é preto e preto que quer ser branco. Em visões 226 lemos a seguinte lição de identidade racial: “O mais importante não é ser negro / mas reconhecer-se negro”.
A expressão afro-descendência é condenada o tempo todo. Para o autor, afro-descendência é como se dissesse, “sou descendente de africano, porém não sou africano, não tenho culpa de ser descendente”. Um “sou, mas não sou”! O correto seria, segundo o Visões, afro-brasileiro, afro-sergipano, que quer dizer africano de Sergipe, africano do Brasil.
Ele critica os negros quilombolas. Negros que só se afirmam para conseguirem as “benesses” dos poderosos, negros por conveniência, não por questão de identidade. Esses sim são afro-descendentes. Quilombolas de “araque”. Por outro lado cita o advogado e pastor Martim Luther King, como um negro “de verdade” que não foi um “nego”, mas foi sonhador, buscador e lutador pela utopia da igualdade. Baseado em alguns personagens a exemplo de King, monta o que parece um “negro arquetípico”, quiçá utópico.
Um de seus poemas fala do “‘comerciante’ de Carne Negra, nosso maior pesadelo”. Lembra um trecho de uma música de Elza Soares: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”. Pior ainda é quando o açougueiro é um “nego”.
Visões do Olhar em Transe vê o sangue negro no “sangue azul” sergipano, esquecido do porto de Estância, maior receptáculo de negros em Sergipe, dos hauçás em Laranjeiras, que se revoltaram, inspirados no herói negro Toussaint de Louverture, líder da maior revolta escrava do mundo, no Haiti.
Vislumbrei no Visões, o pensamento mítico do ser humano diante da natureza. Vários deuses, semideuses e seres mitológicos desfilam nesse magnífico livro. Exu, Loki, Hermes, Mercúrio e Jesus andam juntos no pensamento do autor. Encontramos sereias, negro d’água, caboclos, passeando pelo sertão e pela beira do Opará. Vários mitos vagueiam pelo livro. Exu é personagem constante. Orixá temido pelos desinformados ou alienados, que acreditam ser ele é o próprio Diabo. Essa divindade outrora exercia o patronato sobre a fertilidade e carregava como símbolo o ogó, espécie de bastão fálico.
Aqui no Brasil teve que perder essa função, afinal, não seria mais interessante um Deus patrocinar a fertilidade negra no Brasil. Fertilidade aqui seria aumentar o número de escravos para os cristãos. Talvez não se saiba que os atributos de Exu são praticamente os mesmos do Hermes grego e do Mercúrio romano. Mas para alguns, falar de Hermes é falar de um belo Deus da Grécia Antiga, de uma civilização desenvolvida. Desconfio que isso aconteça simplesmente por ele ser branco e Exu ser negro.
Olhar para o negro é ver o quanto de racismo se institucionalizou e que seguimos: tudo que é de negro é diabólico, sua religião é demonizada. Mas cuidado, o Diabo pertence ao panteão cristão, é algo pertinente ao cristianismo. Se o negro trazido da África, algum momento acreditou na existência do Diabo, se alguma religião de matriz africana, ou ameríndia sincretizou Exu com o Diabo, devese à ação do Cristianismo, principalmente o “Catolicismo terrorista” dos Capuchinhos no período da escravidão, ou o Jesuítico. Os cristãos apresentaram o Diabo ao negro.
O autor vai aos poucos saudando cada Orixá. No poema Visões 91, Exu matou o pássaro ontem com a pedra que só hoje atirou, “Quem não aceita o passado / não terá futuro”. O pássaro de ontem é o passado, a pedra de hoje é o presente. Assim construímos o tempo mítico e também o tempo “real”.
Lendo as visões, vou também conversando com cada orixá no decurso dessas páginas. Vejo o barro de Nanã, o oxé de Xangô, a espada de Ogum, os raios de Iansã... Falando em mitologia, o autor cita a violação do Gênesis com a escravidão de Cã, analisada na divisão tripartite do mundo. Observamos Pandora inserida nos três poderes, com sua caixa ainda aberta espalhando maldade pelo mundo. Mas numa forma de esperança, os poemas revelam uma visão mística do mal que retorna a quem o faz, na chamada lei da ação e reação. Repudiam a inveja, a traição, a mentira.
Em Visões 78 critica o Poder Judiciário: “a justiça se diz cega / mas ouve o que convém / enxerga nas entrelinhas”. A socióloga Maria Sílvia de Carvalho Franco no livro Homens livres na Ordem Escravocrata, no capítulo sobre o Código do Sertão, comenta que os homens livres e pobres no final do século XIX não eram muito afeitos a colaborar com o Poder Judiciário em suas atribuições. Isso por causa das suas interpretações legais. No sertão, as leis morais estão vinculadas ao costume. O Poder Judiciário vem para manter o monopólio da violência, o monopólio da força física. Atualmente, a visão é outra. Os ouvidos da Justiça estão superando sua cegueira.
A justiça prega a igualdade. Ou melhor, a mentira da igualdade. O Visões 325 critica a justiça incestuosa: “Relação incestuosa da justiça / com falta de autoridade / do juiz manipulado por sombras / que lhes arrogam o poder”. Quantas sombras! É só observar o panorama político, judicial, policial que ficaremos com a vista turva de tantas sombras. As Visões do Olhar em Transe tentam iluminar essas trevas. Tal como no “Mito da Caverna” de Platão, precisamos sair da caverna, parar de olhar essas sombras que se projetam na parede e encarar a realidade.
Quanto à intelectualidade, Visões adverte que muitas vezes nossa mente se apresenta como a de colonizados, acostumados com a colonização intelectual. Denuncia os intelectuais repetitivos que constroem teses alienadas e amarradas em improdutivas metodologias para provar o óbvio. Vaidosos intelectuais de aluguel, às vezes “comprados” para legitimar injustiças, inverdades, corrupção...
“Universiotários”... Como dizia Fernando Pessoa, “Há metafísica bastante em não pensar em nada”, com certeza, é melhor pensar em nada, do que em teses óbvias, mentirosas ou tolas. Ao tempo que critica esses intelectuais, elogia os intelectuais da rua, do copo de cachaça, dos simples, dos peripatéticos das praças. Às vezes, se valoriza mais um intelectual pela sua cor, pela sua roupa, do que pelo seu conhecimento. Em O Pequeno Príncipe, Saint Exupéry comenta no início que certa vez, numa conferência, um astrônomo turco defendeu e provou uma série de idéias astronômicas. Mesmo seus ouvintes sabendo que ele tinha razão, ninguém lhe deu atenção porque ele se vestia como um turco!
Esse livro é também de certa forma uma autobiografia. Em certos momentos chega a parecer um diário, em outros, chega a parecer psicografia. Quem bem conhece Severo sabe que muitos desses poemas contam sua trajetória, suas vivências, seus pensamentos, seus desejos, sua solidão, sua intelectualidade livre de prisões metodológicas tal qual ela se apresenta à mente, onde seu pensamento num nível holístico atua em igualdade com sua alma e seus sentimentos. Conta de seus parentes que viraram estrela na constelação do Orum, que foram para a terra de Aruanda. Alguns poemas seguem as etapas de sua vida, algumas que eu conheci bem enquanto trabalhamos juntos. Confirmando meu comentário, ele mesmo diz em Visões 223: “escrevo para dialogar / cansado do monólogo”. Ele declara que conversa com o leitor.
Lá pelo final do livro, em Visões 440, o autor aponta uma salvação para as mazelas que tanto criticou: “A educação é que nos vai tirar da Senzala / uma educação democrática, sem vícios”. Em poucas palavras, uma solução difícil de se colocar em prática. Difícil por ser democrática e sem vícios. Uma educação assim, seria a ruína de muitos poderosos. E se nós saíssemos das senzalas! Se as Visões, nos abrir os olhos!
Quando acabei de ler os poemas de Severo, pensei logo em alguns leitores dizendo “Severo é doido”. Ainda hoje eu ouço essa expressão quando falo desse preto. Logicamente é uma expressão covarde. Quem não consegue argumentar, xinga.
Os olhares de Severo de Xangô são os olhares solitários de um manifestante, militante negro. Seu trabalho é um grito sufocado na escuridão do racismo que ele tanto combate. Mas que se torna um tanto pessimista em Visões 94 “sinto que não há mérito em / em combater o racismo / de tanto denunciar o racismo / sou cuspido pelos negros / e acusado de encrenqueiro / fazedor de caso e criador de problemas / e os negros torcem o nariz”.
Considero o Visões leitura obrigatória a todas as pessoas, alunos de todos os níveis e de todas as redes de ensino. É um almanaque, um “Lunário Perpétuo” anti-racista e conscientizador. Os negros de verdade saberão entender essas visões. Os verdadeiros cidadãos saberão respeitar seu conteúdo.
Todo poeta é um visionário, muitas vezes angustiado, que olha o mundo, as pessoas, os acontecimentos e as coisas como em transe, à semelhança das visões de São João no Apocalipse.
É o que acontece nestas Visões do Olhar em Transe de Severo D’Acelino. O autor, numa linguagem aflitiva, vive uma crise de angústia ao olhar seu povo afro “transfigurado por vendas impostas pela dominação”. Ele clama pelo reconhecimento e valorização da raça negra, ainda não libertada das opressões que a sociedade “branca” lhe impõe. Poeticamente, revolta-se contra os negros que negam sua negritude “assumindo a branquitude nas opiniões e atitudes, numa realidade ofuscante da coloração epidérmica...”.
Severo D’Acelino alça altos vôos poéticos para, em seguida, mergulhar nas profundezas das águas do subconsciente em busca da construção da consciência negra.
Como Castro Alves, o autor canta seu lamento pela liberdade perdida da raça ao cortar as ondas do Atlântico e ser aprisionada nas Senzalas, a serviço da Casa Grande, que ainda subsiste em nossos dias, disfarçada ou escancaradamente, e teima em fazer discriminações por motivos de cor da pele. Pois “construíram uma casa na ponte, impedindo-lhe de ver o nascer do sol”.
Em nome dos negros, Severo D’Acelino clama em suas Visões por “uma Educação que os eleve e identifique proporcionando igualdade de oportunidade numa união na diversidade”. Seus poemas são gemidos abafados, são lágrimas ignoradas, são gotas de suor e sangue que continuam regando o chão de nossa sociedade, que teima em “calar as vozes dos libertários negros numa etnocida de aculturamento”. Sente-se o calor de suas lágrimas caindo em nossa consciência de “brancos”, quando ele diz: “Seus olhos pensam que me conhecem mas você não sabe a extensão do meu sofrimento”. Com muita precisão o autor nos alerta no poema 352: “ Antes de Cristo, já existia amor entre os inimigos e o apelo ao perdão”. As Visões do Olhar em Transe são um brado angustioso por justiça, igualdade e fraternidade como Cristo veio ensinar à toda a humanidade, independente da raça, cor, cultura ou religião: “Pai,que todos sejam um...”.
Dom José Palmeira Lessa Arcebispo Metropolitano de Aracaju
Um abraço dado De bom coração É mesmo que uma bença Uma bença uma benção.
As expressões sobre Visões do Olhar em Transe são olhares dos diversos estudiosos sobre a temática, numa análise da diversidade expressa no conteúdo dos poemas apresentados, uma visão antropológica e sociológica de um tema constante nas práticas do seu autor. É um estudo do pensamento que se expressa nos versos, como uma constante de afirmação pessoal, de como o pensamento se transforma e indica conceitos. Como o autor se vê no mundo transfigurado, como se comunica no grito sufocado. Neste conjunto de análise literária, as expressões de um conteúdo ardente.
Buscando as contribuições de diversas personalidades da minha trajetória, do meu respeito e da minha formação, para dar amplitude à construção do meu pensamento e promover um equilíbrio no meu fazer e expressão, consegui ajustar a minha perspectiva em todos os ângulos da visão. Um manifesto de pequena monta, mas de grande expressão, dada a responsabilidade deste conjunto de parceria e dos diversos olhares sobre o mesmo ponto em variáveis perspectivas.
Uma obra de valor indiscutível, não só pelas variáveis conjunturais e diversidade, mas sobretudo, pelo conjunto ainda não reunido em ação desta natureza e que emerge com a chama humanista da sergipanidade africanizada, numa ação erudita de sotaques populares e periféricos, possibilitando o entendimento a todos os leitores, situando na lógica dos valores da memória coletiva.
O conjunto destas expressões colocará a todos em contato com as vertentes dos pensamentos teológico, antropológico, psico lógico, filosófico, jornalístico e histórico, numa pedagogia plana e animada pela dinâmica do pensamento coletivo. Este manifesto é um presente que recebo e divido com o coletivo, que se inclui e se reconhece, reconhecendo os valores dispersos, reunidos nestas Visões do Olhar em Transe.
Oh! Deus o salve Casa Santa oluaiya êh. Onde Deus fez a morada Oluaiya êh Onde mora o Calix Bento Oluaiya êh E a Hóstia Consagrada Oluaiya êh
Busquei as contribuições de diversas personalidades, peritos, pesquisadores e amigos da minha trajetória, do meu respeito e da minha formação, para dar amplitude à construção do meu pensamento e promover o equilíbrio no meu fazer e expressão.
Ogum de lê de Nossa Senhora É hora Ogum de Lê de Nossa Senhora É hora, é hora.
Um projeto de pequena monta, mas de grande significado, pelas presenças, dada a responsabilidade deste conjunto de parcerias e dos diversos olhares sobre o mesmo objeto em variáveis perspectivas.
Caboclo da Mata Virgem Plantou Raiz Nasceu Flor Plantou Raiz Nasceu Flor
Uma obra de grande valor não só pela diversidade, mas sobretudo, pelo conjunto ainda não reunido em manifesto desta natureza e que emerge numa pedagogia afirmativa, com a chama da sergipanidade, numa ação erudita, distante do academicismo, ampliando a leitura periférica com as chamas da africanidade deste sergipano que não nega seu natural e nem suas origens.
Caboclo quer Amaiangá Caboclo quer Acereiar
O conjunto destas expressões colocará numa acessividade as análises literárias, de teor histórico, antropológico, sociológico, teológico, psicológico e filosófico, numa ação animada ao alcance de todos, no tamanho de nossa expressão coletiva.
“Seu Boiadeiro por aqui choveu Choveu que abarrotou Foi tanta água que meu boi nadou”
Esse manifesto é um presente que recebo e passo à comunidade, objeto de minhas ações nestes anos de resistência, formalizada em outubro de 1968.
Sei que sou um sujeito de pouca ou nenhuma importância e o que me eleva é a companhia (digas com quem andas que ti direis quem és) desses que me abraçam, com o carinho da cumplicidade no alcance dos seus Olhares Reflexivos, despidos de preconceitos e paternalismo, motivando Ações Afirmativas.
“O Lírio é uma Flor Que nasceu na beira d’agua Nasceu na beira d’agua E nas águas se criou
VISÕES DO OLHAR EM TRANSE POEMAS TRANSCULTURAIS AFRO SERGIPANOS
“VISÕES TRANSCULTURAIS DO OLHAR EM TRANSE”
Nesta revisitação ancestral, busco na leitura dos signos da transculturalidade, interpretar os ritus memoriais de meu povo, na perspectiva deste olhar transfigurado por vendas impostas pela dominação e desconstruida pela insubordinação do panafricanismo que ousou rever a trajetória através do resgate refazendo caminhos, numa pontuação afastada, para descortinar um ângulo maior, a visão mais nítida, buscando na perspectiva do algoz, a releitura de páginas da nossa história, camuflada pelo medo.
O meu olhar revitaliza as minhas lembranças e desejos adormecidos pelo engessamento da cultura oficial que através da censura, até hoje nos nega as evidências desta construção, só alcançado por determinada elite que detem o conhecimento de nossa história, a chave da nossa filosofia e, através do eurocentrismo, exclui de nossa memória o patrimonial de nossa matriz, seus empréstimos, reimprestimos e representação transcultural.
Essas lembranças tocadas pelo desejo animado pelo transe, evocam o passado através dos versos livres, numa analogia simplista numa de visão mítica em reverencia aos ancestrais e suas influências cosmológicas, nas diversas culturas que se materializam nos eventos.
Essa materialização mítica dos transportes e, recolhendo retalhos em cada expressão, nesta viagem de imagens, reciclando-as e unindo em colcha de retalho multicolorida, policromática e polifônica onde os ícones africanos se destacam os caminhos que levam os Ancestrais, expressões de sua filosofia, histórias, funções, ritus, representações e domínios.
Esse transe semi-consciente, inconsciente e total. Não procuro meus Ancestrais dentro de mim, porque sei que estou no interior deles. Visões do Olhar em Transe, poemas transculturais afro sergipano, numa ação continuada do Panafricanismo de Panáfrica África Iya N’La, do Culturalismo em Quelóde que se completa num triangulo temático: A trilogia do ritu.
Visões do Olhar em Transe – nasceu espontaneamente numa noite inquietante de feliz coincidência onde o sonho interferiu na materialização de uma presença. É uma reflexão e análise do meu pensamento. Não programei ou elaborei nenhum projeto ou roteiro de ação, os versos foram surgindo e materializando no papel como registro memorial.
Quis fazer versos temáticos de olhares, visões, sóis e estrelas na vastidão luminosa. Fiz versos tristes, inquietantes, denunciadores, ácidos e dramáticos impregnados de linguagem simples e repetitiva. São versos vivos de ilusão duradoura, cheios de símbolos sem malabarismos, falando sobre o amor e dor que há em mim como ícone de esperança. São versos livre que denunciam a elevação da minha imaginação e sentimentos na medida em que manifesta minha auto-estima, ora em alta ou baixa.
São versos que expressam os meus encontros nos desencontros da emoção e construção do meu pensamento sem nenhum rastro de racionalidade, e sim uma vasta gama de emoção, inquietude impertinente numa constante entrega. Neste particular fui sempre guiado pelo fluxo das visões e as registrava como um personagem possuído pelo autor, induzindo as ações sinalizadas, o meu fazer em transe hipnótico, materializando lembranças e símbolos.
Em meus versos a eterna interrogação do ativismo da unidade racial. O que fazer com os negros que não são pretos(Pardos e Mulatos) e com pretos que querem ser brancos, se nenhum deles se reconhece como negros?
A incógnita é uma variável no registro dos meus versos construídos dos sentimentos, vivenciando os momentos do olhar em transe, e os momentos passam, daí a dinâmica das relações. As composições foram, diria, psicografadas, induzidas por forças iluminadas, incorporando totalmente o personagem que denuncia o autor e busca desesperadamente atores para interpretar o grande momento numa apoteose de impacto finito. Represei o Olho D’agua e desviei o Rio.
O mormaço estava tão forte que os bichos ficavam de bocas e bicos abertos marcando o compasso da espera de uma viração terral, para que o ar rarefeito pudesse melhorar. As crianças com cabaças nas cabeças retornavam da beira do Rio, um trajeto tortuoso e longe, mais de duas léguas, o Rio que estreitava suas margens, deixando a descoberta vasta extensão do seu leito. Eram dez horas da manhã e o Sol já castigava como se estivesse a pino, ofuscava a visão queimando os olhos, com ardores insuportáveis a anciã parada a sombra de um arvoredo, tinha as mãos por sobre os olhos, escorrendo o suor do rosto, num maior desconforto. Mas não dizia nada, não se lamentava, agia como se aquilo fosse comum e já estivesse acostumada. Serenamente Kelebé, a ansiã, cerrava os olhos e com as mãos no semblante, buscava ver o que estava a sua frente, mas era difícil descortinar, pois a fixação em qualquer objeto era impossível, porque a visão ficava embaçada.
- Venha cá ocê minino. Traga essa cabaça aqui. O menino que despejava a água da cabaça na gamela dos bichos, se voltou sorridente e sem falar nada, foi ao encontro da anciã com a cabaça na mão, despejando água nas mãos estendidas de Kelebé, que jogou no rosto e colocou na boca, fazendo gargarejo e jogando a água fora e logo em seguida, pegou a cabaça e jogou o resto da água sobre o rosto, pescoço e pés. -Toma fio, vá buscar mais e venha caminhano pelas sombras. Não corra. O menino a que ela se referia era Baderildo, adolescente e pai de duas crianças, as gêmeas da família nesta geração. Ele andava correndo com guizos nos pés, dizendo que era para espantar as cobras, que não podia matar e não queria ser mordido. Saiu em debandada, de torço nu rodilha na cabeça, se juntou aos demais e em algarzarra foram em direção ao Rio, que distava mais de duas léguas da cabana, onde moravam.
Sá Liô limpava uns peixes que T’inácio salgou e mantinha em conserva no pé de árvore, eram as carapebas que seriam servidas no almoço. Ninguém ali reclamava de nada, nem do calor, sentia e buscava alternativa, algo com que se ocupar, a lida na roça o cuidado com os bichos e tudo mais era normal.
Vez por outra, chegava pescadores e ribeirinhos com algum presente para Sá Liô e Kelebé, iam lá prosar, discutir o tempo, levar crianças para serem rezadas, fazerem algumas perguntas e se inteirarem de tudo mais.
A esteira no meio da sala ampla de paredes tosca, tinha dois agridais com uma mão de farinha, para alimentar o pessoal. O almoço era um pirão de carapeba salgada, que fervia na trempe, cuja fumaça anunciava a condição do tempo, ar parado e um calor terrível. Era mais de três horas da tarde, o pessoal que se ocupara nos trabalhos da roça e no carregamento de água para os bichos e abastecimento da casa, homens, mulheres e crianças, esperavam pelo parco almoço.
Na cozinha Kelebé aplicava a sua mágica da multiplicação. O agridal com duas mãos de farinha para alimentar doze bocas esfomeadas, aguardava já com os temperos que eram constituídos de dendê e cheiro verde. Franzindo a testa, preocupada com a quantidade de farinha, que dava para pouco mais de três bocas, chamou Baderildo e mandou que despejasse o caldo do peixe no agridal enquanto ela iria mexendo o pirão, e batendo para não embolar numa rapidez transpirante para o caldo não esfriar.
O pirão cresceu e encheu o agridal que foi colocado no centro da esteira ao lado do outro agridal com os peixes, ali todos foram servidos e comeram sentados na beirada da esteira.
Um dia de estiagem onde até os bichos sentia a falta de ar e sofriam nas sombras com o calor, Kelebé fez um pirão de carapeba para seu pessoal.
Sá Liô com o cachimbo na boca cujos dentes pareciam de um adolescente, sem nenhuma marca de seu hábito, sentada junto a Kelebé falava da necessidade de voltar para o antigo pouso que deixara na época da enchente do Rio, pois a distância do atual era muito grande para manter os bichos e a casa com água e com esta estiagem estava na hora de retornar, no que Kelebé concordou e chamou T’Inácio para voltar no antigo pouso com o pessoal e preparar o local que iriam voltar. Mandou levar umas manaibas para preparar com um pedaço de jabá para comerem.
T’inácio chamou Baderildo deu as ordens e imediatamente com as crianças e duas mulheres, se dirigiram para o antigo pouso, a margem do Rio.
Já apontava o por do Sol e o céu continuava límpido, sem nuvens, o ar parado assinalava que a estiagem seria demorada, mas até agora nenhum bicho foi perdido.
Sá Liô mandou colocar uma esteira do lado de fora da casa e pegou seu xale e a guisa de travesseiro, deitou de lado, enquanto as crianças se movimentavam em torno dela, malinando e de olhos para o céu, buscavam contar estrelas que não surgiam.
Noite sem estrelas, noite quente, noite de silenciosa magia de contos e mulheres que se revelavam nas lembranças dos gemidos e gritos sufocados ao rugir dos ventos parados. Lembranças adormecidas, despertadas pelos ecos das traquinagens das crianças ávidas por ouvir o sussurro das tias, contando seus contos de ninar gente grande num diálogo monologico, onde ouvia suas próprias vozes, conversando consigo mesma. Sá Liô arrumou o xale no pescoço e falou para Kelebé, como para si mesma – Kelebé não tem muito tempo que Aramefá despertou o temporal na beira do Rio...foi um tempo bom aquele...hoje estou pensando em buscar as cabaças para umas viagens de peditórios.
Kelebé ouvia e calada estava, calada ficou, arrastando umas sandálias se dirigiu para perto de uma touceira, se ajeitou e sem se acocorar fez suas necessidades e ali mesmo ficou cismando, se era ainda possível e se era importante mexer com as forças do tempo, já naquela idade e se iria agüentar o barrufo sem ninguém por perto para lhes ajudarem.
Regressou e encontrou Sá Liô falando para as crianças que dormiam espalhadas na esteira, revisitava os ancestrais e contava como era possível fazer o barco passar despercebido do Negro d’Agua e não encalhar nos bancos de areias. Como era triste o silencio do Rio, onde deixavam escapar os gritos dos afogados, quantas lamúrias! Era de cortar coração, muitos pedidos de rezas, socorros e favores e só as cabaças poderiam levar algum atento as almas perdidas.
Kelebé parou em frente a Sá Liô e rodou agitando os braços para cima e para os lados coçava o corpo todo e como se estivesse tomando banho, bateu nas palmas dos pés de Sá Liô que se calou e de repente levantou saindo em direção contrária de Kelebé andando em circulo sobre a casa, falando coisa inteligível e se comportando como não se conhecessem.
Os movimentos que faziam começarão a tremular o chão e uma aragem começou a se fazer, os bichos começaram a se agitar e as crianças dormindo, não sentiam nada. A cachorra começou a latir o vento se fez presente como um redemoinho trazendo gritos soltos no ar.
Como fogo corredor, varando a noite clara, as duas mulheres, rodopiavam em torno da casa em direção contrária provocando um vendaval A viração ali, naquele lugar, aconteceu e choveu como nunca ali tivesse chovido uma chuva fina, chuva de orvalho. Serenou e neste clima de tempo em suspensão, o dia raiou com intensidade e as duas ainda rodopiavam entre si até pararem estática uma frente a outra como um imã. E foi assim que T’inácio encontrou as duas, no seu regresso do antigo pouso.
As gêmeas que eram criadas por T”Inácio, já estavam nos seus pés, pedindo braços, elas não aceitavam o colo de ninguém a não ser de T’inácio, eram as que mais regalias tinha no lugar.
Como se nada tivesse acontecido, a vida continuou, sem mais o calorão do dia anterior. Sá Liô foi fazer o café, manaiba com jabá, e todos comeram e foram para seus serviços na roça e na mudança do pouso, logo que saíram para a lida, Sá Liô recebeu umas visitas e uns presentes. Eram ribeirinhos que vinham em busca de acalanto para a suas crianças que estavam doentes e apelavam para Sá Liô, cuja fama era reconhecida. As gêmeas se aproximarão e buscaram os colos das meninas que imediatamente as pegaram e se sentaram para brincar enquanto suas mães conversavam com as anciãs.
T’inácio que por perto não tirava os olhos das gêmeas, ficou surpreso e enciumado pelo que estava vendo. As gêmeas abraçadas com as meninas, se enroscando como cobras em seus corpos, e as mulheres nada percebiam, em dado momento as gêmeas se desgrudaram e começaram a chorar no que foram recolhidas pelo T’Inácio que rispidamente tirou uns visgos que as gêmeas seguravam.
Sá Liô puxou língua com T’inácio e parecia zangada. Kelebé pegou as gêmeas e soprou nos ouvidos e colocou as no chão com um tapinha nas nádegas, ambas saíram correndo a brincar sobre os olhares sisudos de T’Inácio. Tudo isso aconteceu sem que as visitas percebessem. Sá Liô chamou as meninas, conversou com elas, deu um abraço e mandou ir brincar no terreiro.
Enquanto as crianças brincavam, correndo atrás das galinhas e cabritas, chegava mais gente, com presentes, sempre aves e animais de pequeno porte, era assim que a casa era cheia de bichos, vez por outra traziam peixes e arroz, pois era costume já tradicionado estes mimos as idosas que cuidava de todos que as procuravam, com suas rezas e seus passos e muitas conversas.
O certo era que as visitas se sucediam, devido o movimento do pessoal no antigo pouso, pois as crianças brincando na beira do Rio, passaram a informação e daí para o cortejo até a casa das tias foi um passo e T’Inácio aproveitou a presença de diversos pescadores, para junto com seu pessoal, levar a mudança para o caramanchão do antigo pouso, e, como numa rumaria, seguiram enfileirados com trouxas e moveis toscos nos lombos dos animais.
As anciãs ficaram com as gêmeas e as meninas que vieram para serem rezadas. Kelebé falou para que as mães das crianças deixarem elas dormirem aquela noite ali que no dia seguinte já podiam vir buscar.
O ar de cumplicidade que as anciãs trocaram não foi percebido pelas mulheres, que se despediram e seguiram para seus pousos e Sá Liô se recolheu ali mesmo, sentada e de vez em quando agitava o corpo, respondendo perguntas que não foram feitas. Kelebé foi para cozinha fazer o café do pessoal e alimentar as crianças que entretidas com suas brincadeiras, não percebiam o que se passava entre as duas anciães que travavam um longo e complicado diálogo imperceptivel.
Só T’inácio voltou àquela noite e foi encarregado de providenciar as cabaças na madrugada, para o peditório no Rio onde o ritu seria completado pelas quatros crianças, antes do Sol se por. Foram tratar dos preparativos, abrindo uma clareira no mato e desenterrando raízes que eram trituradas pelas meninas completamente em transe e socadas por T’inácio que separava em cima de folhas. Assim ficaram até que o ancião se embrenhasse mato adentro em busca das cabaças e, antes do raia do Sol, tudo já se preparava e era recolhida no centro da casa na esteira.
Amanheceu com os cantos dos bichos e relinchar dos animais. As crianças dormiam exaustas do prolongado transe, as gêmeas com pouco mais de dois anos e as crianças uma com cinco e outra com sete anos, todas as crianças eram do mesmo mês, nascidas no mesmo dia com as mesmas formas de proteger em suas entidades diferentes, ligadas no quadrante dos elementos cosmológicos da magia dos Vodus das anciãs que se atreveram usá-las colocando em perigo as suas sanidades.
O carrego era forte e T’inácio sabia das conseqüências tão bem quanto as anciãs que frente a frente, velavam pelo ebó, ali na sala impedindo de qualquer aproximação ali no pouso. As crianças e os demais já estavam alojados no antigo pouso, e só com a chegada das anciãs, retornariam para levar os bichos, animais, e, o restante das coisas.
Passou a manhã sem qualquer novidade, sem qualquer alteração, o Tempo e o Rio continuavam no mesmo, lá para quatro horas houve uma forte trovoada e o vento virou, as águas do Rio encapelaram, muitos barcos buscavam as margens para se abrigarem e, de repente a calmaria, o Sol se inclinava, era uma chuva de viúva, diziam alguns.
As crianças acordaram e segurando as pontas da esteira que continham o EBÒ das cabaças, se dirigiram para o Rio, acompanhando T’inácio que seguia na frente, Sá Liô em seguida e atrás Kelebé. A esteira parecia levitar como levitavam as meninas, as gêmeas na frente iam seguindo um ritu pré estabelecido pela anciã e era seguida pelas outras.
Assim que chegou à margem do Rio, começou a chover e a ventar, o céu escureceu e ali paradas as anciãs e as meninas esperavam que T’inácio acendesse todas as tochas das cabaças que eram imediatamente depositadas nas águas do Rio pelas meninas, até a última e só assim elas seguiram como uma piracema, contra a correnteza até atravessar o leito do Rio, para em seguida, seguir a correnteza.
Ali na margem do Rio, pós uma torrente de Relâmpagos e troar de Trovões passavam em cortejo as Cabaças, emitindo uma luz azul e amarela nítida em direção das Almas dos Afogados, os Eguns que se libertavam pelas mãos do destino de Nanã.
A margem do Rio, diversos ribeirinhos como que chamados a presenciar a passagens dos Afogados, viam na noite escura as estrelas singrando as águas do Rio , rumo ao Mar e o Céu iluminado de estrelas numa visão fantástica, jamais vista.
“Enquanto se deleitavam com a visão, as crianças e as anciãs se recolhiam, ficando T’inácio mirando Aramefá no outro lado do Rio sobre chuvas de estrelas candentes.” ' Ariô cantou. Ariô cantou Ajarê”
As estratégias discursivas na construção do sujeito histórico, através da literatura engajada de José Saramago, Uanhenga Xitu e Severo D’Acelino
Rosemere Ferreira da Silva Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da UFBA roserosefr@zipmail.com.br
Resumo O artigo pretende discutir as estratégias discursivas usadas para a construção do sujeito histórico em O conto da ilha desconhecida, de Saramago, Mestre Tamoda, de Uanhenga Xitu e Negra Conceição: a guerreira de Mulungu, de Severo D’Acelino. Busca ainda destacar o engajamento literário dos intelectuais citados como forma de auto-reflexividade e de desconstrução de verdades absolutas na literatura contemporânea. Palavras-chave: Literatura Engajada, Intelectual, Identidade.
Abstract The article intends to discuss the discursive strategies used to build the historical subject in: O conto da ilha desconhecida, written by Saramago, Mestre Tamoda, written by Uanhenga Xitu and Negra Conceição: the warrior of João Mulungu, written by Severo D’Acelino. Besides, the text aims to put in relevance the literary engagement related to the intellectuals in evidence as a way of auto-reflexivity and deconstruction of absolute truths in the contemporary literature. Key-words: Engaged Literature, Intellectual, Identity
A viagem proporcionada por José Saramago no texto intitulado: O Conto da Ilha Desconhecida remete-nos a uma interpretação metafórica de uma ilha que, embora desconhecida, é conclamada pelo personagem principal a ser conhecida por todos. O desejo de buscar a ilha desconhecida parte de uma vontade e insistência próprias de um homem, que se traduz pela imperatividade de um sujeito que busca, na sua impetuosidade e resistência diante de uma ordem social pronta para dizer não, movimentar uma coletividade na evolução para a concepção de um sujeito histórico. O poder de convencimento do homem em relação aos tramites da autoridade real é tão contundente quanto sua certeza da existência da ilha. Desafiar o rei na conquista por uma embarcação acaba sendo o desafiar a si mesmo; suas convicções, seus anseios, suas projeções relativas a um futuro indefinido, mas que traz o questionamento da subalternidade do sujeito sempre justificada por uma ordem social como necessária ao domínio de ações que cerceiam a unidade do sujeito histórico.
O texto sugere a formação de uma identidade aberta que se percebe como possibilidade de criação de novas identidades, produzindo sujeitos capazes de articular sua própria elaboração discursiva direcionada não a uma narrativa particular, mas a uma narrativa que se pretende coletiva, que reclama por transformações sócio-culturais através da desconstrução do discurso paradigmático.
Acredita-se naquilo que, de fato, se tem registro no mapa, mas como registrar o desconhecido, as dúvidas, as incertezas, a fragilidade, a recusa, os questionamentos do homem enquanto sujeito histórico? Nesta perspectiva, o homem continua a ser uma das fontes mais intrigantes de investigação.
Saramago lança uma busca de negação sistemática dos valores em relação à cultura hegemônica através de uma tradução categoricamente pessoal, delineada para uma investidura do sujeito de possíveis descobertas, de um exercício de consciência voltado para o projeto de “buscar a si mesmo” como uma tomada de posição política que intervenha na mobilização de uma coletividade, que aos poucos se voluntaria a fazer parte das discussões voltadas para a revisão de uma política cultural.
Os personagens do conto não têm nomes definidos, apenas as profissões aparecem para marcar suas posições interpretativas na narrativa. Talvez a iniciativa de recorrer às funções dos personagens, transpareça no enredo como uma articulação estilística necessária ao retratar a sociedade da época. Ou seja, Saramago marca a posição hierárquica dos personagens enfatizando suas funções. Chama-nos atenção para uma ordem social necessária a qualquer sociedade que resulta de uma complexidade de relações que asseguram um sistema marcado pelas desigualdades.
Não há tempo determinado para encontrar o lugar desejado, assim como nós precisamos muitas vezes, sem o respeito à determinação de um tempo em específico, sair de nós mesmos para encontrar o tão almejado. O lançar-se no mar para navegar é o avançar para um objeto de desejo e realização, às vezes próximo, contudo, não enxergado, não percebido pela nossa própria incapacidade pessoal de objetividade e percepção do desconhecido. O texto traduz-se num paradoxo estranho. Nós, em alguns momentos de nossas vidas, queremos estar longe de nós mesmos para, então, enxergarmos melhor nossa natureza.
A mulher da limpeza é o único personagem que decide espontaneamente abandonar a vida enfadonha que levava para seguir o homem do povo. Troca sua rotina por uma viagem poética em busca de seus sonhos. A obsessão do homem em descobrir algo fora de si que traga verdades mais profundas contagia de forma simplista a sensatez da sensibilidade feminina.
Ocupado como sempre estava com os obséquios, o rei demorava a resposta, e já não era pequeno sinal de atenção ao bem estar e felicidade do seu povo quando resolvia pedir um parecer fundamentado por escrito ao primeiro-secretário, o qual, escusado seria dizer, passava a encomenda ao segundo-secretário, este ao terceiro, sucessivamente, até chegar outra vez à mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme estivesse de maré. (SARAMAGO, 1998, p.6-7).
Saramago, de maneira engenhosa, mostra a figura do monarca como emblemática. Os obséquios eram bem vindos, enquanto as petições não eram resolvidas, eram sim postergadas e posteriormente decididas, a depender do estado de espírito da mulher da limpeza. A burocracia nos serviços sublinha um governo distante de seu maior objetivo, promover o bem estar do povo. O repúdio do rei salta aos olhos quando evita aproximar-se do homem. Uma realidade próxima do absolutismo monarca. O rei teme ao homem, ao que possivelmente ouviria como crítica, por isso, barra seu contato com a voz do povo, como um instrumento que poderia proporcionar transformação social, ainda que veiculado primeiro ao plano pessoal e posteriormente com uma inclinação perceptível ao coletivo.
A narrativa de Saramago está sempre em busca de uma conscientização do leitor. Como intelectual engajado nos problemas e tensões políticas de Portugal, ele conduz a problemática de uma historicidade local, em seus movimentos e contingências, investigando e recriando situações que questionam as ansiedades e esperanças humanas.
Quero falar ao rei, Já sabes que o rei não pode vir, está na porta dos obséquios, respondeu a mulher, Pois então vai lá dizer-lhe que não saio daqui até que ele venha, pessoalmente, saber o que quero, rematou o homem, e deitou-se ao comprido no limiar, tampando-se com a manta por causa do frio. (apud, SARAMAGO, 1996, p.9-10).
Não importa o “status quo” do sujeito, sua procedência, sua identidade. A postura do homem demasiadamente lúcido de se plantar na porta do rei é uma forma de dizer “não” à infelicidade determinada e de dizer “sim” à transcendência do sujeito transformado continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpolados nos sistemas culturais que nos rodeiam.
Na sociedade abordada por Saramago, percebemos a construção de um “eu” que nos leva a crer, como afirma Stuart Hall: A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, Stuart.,2001,p.13)
A literatura engajada de José Saramago, através de seu caráter discursivo, tem sido um espaço em que as localizações do sujeito e as construções de identidade afloram, permitindo uma visão clara de um projeto literário “inacabado”, sem a pretensão de propor interpretações fechadas, onde indivíduos de épocas diferentes concebiam e construíam suas identidades como sujeitos de um processo histórico crítico e revolucionário.
O engajamento literário de Saramago se expressa por uma tensão dialética: literatura ativa, radicada como instrumento de transformação social que insiste em desconstruir um discurso paradigmático. Os sem nome, os sem terra, os sem nada falam para questionar a construção de uma historicidade que corre pelas margens daquela legitimada como única, oficial, capaz de reprimir as ações de determinados sujeitos que apareciam na versão oficial como figuras decorativas de um âmbito social indiferente à sua existência.
O que o autor tenta fazer é “reparar” esta indiferença através da valorização de anônimos. Os anônimos têm poder de decisão no corpo de sua narrativa. São os anônimos que possibilitam que as grandes transformações ocorram. São eles que navegam para o desconhecido em busca de conhecimento de si e de sua própria história, de uma universalização que visa a uma experiência voltada para o nós.
Numa sociedade de estranhos, o sujeito histórico tem ânsia para conhecer-se e Saramago possibilita seu conhecimento através de uma expressão que aponta a metaficção historiográfica como possibilidade de introduzir o poder da palavra como reflexão de um passado histórico, pronto para ser reescrito, reformulado a partir da supressão de dicotomias, de extremos nunca antes sugeridos como conjunto.
A formação de uma identidade voltada para a construção de um sujeito literário não está restrita a Portugal, reflete-se também em sociedades pós-coloniais como, por exemplo, a angolana. Nestas sociedades, não há quadros de referência identitária que permita ao indivíduo uma posição fixa no mundo social. Por isso, a linguagem dos escritores angolanos torna-se referência a um universo instituído para, através de uma posição política dos intelectuais engajados, resgatar valores que foram negados pelo colonialismo.
A identidade cultural dos países colonizados mostra-se por uma luta que não se esgota na independência política. É uma conquista contínua de uma autodeterminação a efetivar-se dentro das condições de subdesenvolvimento e de necessidade de modernização...(ABDALA JR, Benjamin, 2003 p.117-118)
Em Angola, a “Geração de 50” é de fundamental relevância dentro de um processo de consciência coletiva, não só pela expressão de valores, necessários à construção de uma identidade, mas também outros responsáveis por uma certa mobilização e formação política militante de novas gerações, que emergem na contingência de luta por uma autonomia cultural e política.
É necessário que o discurso dessa consciência se transforme na ação dele mesmo, produzindo efeitos absolutamente práticos, diferentes dos instaurados pelo sistema colonial, que sempre contribuíram para o abafamento de uma dada formação cultural interpretada pela diferença.
Uma das preocupações do escritor angolano Uanhenga Xitu é o homem. Por isso, percebemos algumas complexidades e contradições de pensamento social nas passagens de seu texto. O universo de sua literatura se exime da visão folclorística e exótica do negro como personagem estereotipado. O espaço desta ficção projeta o negro como sujeito de sua história, dotado de uma identidade cultural pronta para reivindicar um discurso, onde a práxis social angolana seja historicamente revista.
Através de sua abordagem lingüística, o texto é privilegiado e revestido de um tratamento literário que preenche os espaços do personagem com um enunciado atrelado à sua própria expressão cultural, resistente à invasão, à rejeição de um modelo português limitado à autonomia de um discurso de reconhecimento de seus próprios valores.
No conto Mestre Tamoda, o autor traz para o cerne da discussão a problemática instaurada pela versatilidade vocabular do “Mestre Tamoda”. Analisa, a partir do tecido verbal, os problemas lingüísticos e culturais que possivelmente foram surgindo com o contato com culturas alheias. Escolhe a língua como forma de expressão viva para retratar o não-lugar de um indivíduo que sai do seio de sua cultura, aprende novas formas de expressão e volta às raízes tentando inserir-se no grupo social de modo a desestabilizá-lo com o contraste cultural gerado.
Este contraste, para o escritor, passa a ser o principal motivo de questionamento da imposição cultural sofrida em Angola pela força de um colonialismo português que abafou durante muito tempo o entendimento da língua quimbundo como própria ao universo textual local.
Inicialmente, a chegada de “Mestre” Tamoda já refletia o novo intelectual, no meio de uma sanzala em que quase todos os seus habitantes falavam quimbundo e só em casos especiais usavam o português. Nas reuniões em que estivesse com seus contemporâneos bundava, sem regra, palavras caras e difíceis de serem compreendidas, mesmo por aqueles que sabiam mais do que ele e que eram portadores de algumas habilitações literárias.(SANTILLI, 1985, p. 88).
As “habilitações literárias” de “Mestre” Tamoda o transformavam num “etimologista”, um “dicionarista”. Circulava pelo povo, mas não falava a língua do povo. A cadência de sua expressão vocabular fazia a separação nítida entre os nativos quimbundo, nunca antes expostos a uma outra cultura, a não ser a local e o Lungula Tamoda que convivera em Luanda com os filhos dos patrões, com os criados do vizinho do patrão e com um doutor recebendo influências de uma expressão lingüística diferente da sanzala.
O “lugar” da sanzala dá idéia de uma cultura localizada no tempo e no espaço. O autor propõe através do perfil identitário de “Mestre” Tamoda uma reavaliação deste espaço. A nossa vivência no mundo serve para aprendermos a olhar, ver, reparar as práticas coletivas e individuais que analisam as relações entre o homem e o seu grupo social e, principalmente, perceber como se articula a multiplicidade do universo da oralidade na escrita literária.
Os processos enunciativos de Uanhenga Xitu não estão limitados ao que alguns críticos chamam de oposição imediata de estruturas monolíticas como: negros/ brancos, rurais/ urbanos, voz/ letra. A oralidade em sua escrita literária é fundamental para os enunciados construídos. Outro aspecto relevante é a polifonia discursiva dos textos. Neste conto, em específico, o discurso polifônico imprime vozes que se aproximam e se distanciam pela diferença de representações identitárias que correm no contrafluxo de uma cultura que se pretende localizada. Tamoda, na cadência das vozes e do sapato a chiar, ia marcando o ritmo com a cabeça e os ombros, muito esticado e sorridente, e lungulava como um kingungu-a-xitu. (apud, SANTILLI, 1985, p.89).
A convivência contraditória das línguas permite-nos perceber que a língua quimbundo é muito mais sonora em relação ao português. As expressões utilizadas na caracterização estereotípica do “Mestre” traduzem-se como um canto pela transparência de uma musicalidade típica das línguas africanas.
“Mestre” Tamoda tinha fãs, seus fãs aprendiam com ele o significado de uma cultura exterior à local. E isto lhes permitia uma aproximação, ainda que fosse indireta, com o outro, cujos anseios, desejos e história social causavam-lhes estranhamento. “Mestre” Tamoda volta ao seu terreiro, ao seu espaço de origem com um status social conferido pelo uso do português, apesar da artificialidade dessa língua como oficial. Ao mesmo tempo em que alguns personagens demonstram curiosidade na articulação do português, outros tradicionalmente se colocam como defensores da pureza e conservação da língua local.
Uanhenga Xitu se vale da força dada pelos amigos de cárcere para inserir no seu texto a controvérsia entre a língua como instrumento de pertencimento ou não-pertencimento do indivíduo “assimilado”, não mais o mesmo, mas com uma identidade abalada pela cultura do outro.
“Mestre” Tamoda, o mestre do português novo. Neste sentido, a identidade, como construção narrativa, é responsável pela estabilização e localização do sujeito no grupo social. Todavia, o que gera a crise de identidade é a ação conjunta de um duplo deslocamento, a descentralização dos indivíduos tanto do seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos. “Mestre” Tamoda estava deslocado de seu meio de origem pela incursão na língua do colonizador.
Uanhenga Xitu coloca em evidência a necessidade de não sublimar a língua portuguesa e mostra através da rejeição ao uso desta língua um fortalecimento cada vez maior e contestatório de consciência política e cultural em relação à cultura hegemônica e ao poder colonial.
A história pessoal de Uanhenga Xitu como “registrador”, serve de suporte para a construção de sua narrativa. Sua ficção é criada a partir do âmbito de sua convivência. O texto se torna o principal veículo de discussão e articulação de idéias a respeito dos problemas estabelecidos pela entrada e imposição de outras culturas. A influência de uma língua sobre outra, as conseqüências de convívio com culturas díspares que podem ocasionar mudança de paradigma.
Ao mesmo tempo em que Uanhenga Xitu coloca em questão o “novo”, representado pelo acesso a elementos culturais diversos, ele também tem a oportunidade de resgatar com a contradição criada, elementos de uma tradição do quimbundo relativos aos mais ricos cenários: as sanzalas, os quimbos, as baulas e povoações de Angola.
Acredito que para Uanhenga Xitu a idéia de discurso conciliatório entre condições históricas impostas, seja o principal objetivo de sua construção discursiva. Não há o que prevalecer em termos culturais há de se constatar o diferente. E fazer desta diferença um motivo para que o contraste coloque, no mesmo patamar de igualdade, culturas tão diferenciadas em sua composição. A diferença enriquece a identidade de um “eu” que procura se defender e se preservar.
Os escritores das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa têm trabalhado arduamente em favor de uma práxis que promova uma reorganização da sociedade pela ação autônoma de indivíduos. Por isso, o projeto literário em Angola prima por um discurso de reconhecimento dos próprios valores africanos, as línguas, a geografia, as condições existenciais, enfim, percebemos que historicamente vem se delineando uma forma de existência e uma idéia de autonomia política, social e cultural que emergem com a efetivação de uma literatura engajada decorrente da experiência de militância e de guerrilha de muitos autores.
É através desta experiência com a militância que Severo D’Acelino, escritor e intelectual engajado no projeto literário que luta para configurar uma formação identitária afro-brasileira em Sergipe, se destaca desde a década de 60 enfrentando o período da ditadura militar, de repressão a toda e qualquer expressão política e cultural que viesse a contradizer o movimento político da época.
Severo estréia sua publicação de contos na seção Contos Afro-Sergipanos do jornal: Gazeta de Sergipe, no dia 10 de março de 2004. É neste espaço que o conto: Negra Conceição: a guerreira de Mulungu ganha sua primeira divulgação. Além de contribuir para ativar uma seção cultural inédita no jornal da cidade, Severo aproveita para resgatar valores culturais relativos à cultura popular negra, até então ignorados pela cultura local.
Neste conto Severo define a personagem como: “Conceição, a negra guerreira de Mulungu, nunca deixou de ser mulher, nunca deixou de ser negra e por diversas vezes, rejeitou a vida mansa que lhes ofereciam, foi vendida diversas vezes e nunca teve senhor, o seu maior cabedal foi sua rebeldia e sua dignidade de ser negra, mesmo de pele clara, conheceu sua mãe, mas nunca soube quem foi seu pai e se rebelava sempre, rejeitando as chamadas alforrias para manter a sua expectativa de sub-vida, pois tinha consciência que não se ajustaria, não nasceu para ser escrava o que nunca foi, nasceu guerreira e isso seria até a morte, uma morte animada na luta, a Negra, Guerreira de Mulungu”. (GAZETA DE SERGIPE, 2004, p.4).
Severo faz uma historiografia no conto da situação sócio-política e cultural da Capitania de Sergipe. O tempo mencionado evidentemente é o da escravidão. Embora João Mulungu seja citado no conto, o direcionamento da narrativa está centralizado em Conceição, o personagem feminino de tamanha importância para as fugas do grande herói negro sergipano, João Mulungu.
A narrativa de D’Acelino coloca em primeiro plano um sujeito histórico capaz de, em prol de suas próprias convicções, em um ato de rebeldia e coragem, vencer a perseguição, a caça planejada e direcionada aos negros pela força policial, com o objetivo de endossar o tráfico interprovincial, para salvar a pele de outro sujeito, no qual a comunidade negra depositava sua esperança de protesto e libertação, de uma raça oprimida pela invasão de um colonialismo fomentado pelo disparate de uma imposição cultural unilateral.
A descrição de Conceição no conto remete-nos à heroína de uma missão, somente permissível para aqueles cuja determinação fosse a razão de sua imperatividade diante dos propósitos de uma raça que se questiona, até hoje, o porquê de ter tantas metáforas usadas para justificar os negros/ afrodescendentes como racialmente subalternos.
Este conto se constitui como uma construção discursiva que contextualiza a revisitação memorial feita através da história de personagens negros. João Mulungu e Negra Conceição animam o trabalho do escritor junto à comunicabilidade de reconhecimento de uma ancestralidade articulada para não ser menosprezada ou ignorada e sim resignificada.
Uma leitura mais criteriosa do conto pode sinalizar uma possível intervenção crítica desestabilizadora dos discursos hegemônicos provocada pela necessidade de uma expressão identitária local, situada a partir da Capitania de Sergipe e localizada na Vila de Maruim.
O Brasil é marcado por um modelo social hegemônico que nega as formas de ser brasileiro. A cultura popular negra tem significados muito mais abrangente do que os que habitualmente conhecemos, longe da formação de estereótipos, ela é plural. Entender o plural num país como o Brasil é perceber a singularidade cultural do tripé de raças aqui formado, desde o seu “achamento” até o trabalho com a cultura como algo próprio de um grupo e de troca de valores e representações.
A rebeldia de Conceição a define como um personagem disposto a enfrentar toda e qualquer imposição de um colonialismo essencializado, que subjuga a diversidade cultural e clama por uma unidade imposta pela força de quem domina os meios econômicos e políticos.
A resistência de Conceição e Mulungu para não serem capturados evidencia que esta resistência é especificamente política, no que se refere à reflexão de uma condição humana modelada na lógica da tradição e também de modelos culturais de ruptura. Há de se deixar claro que o processo de aculturação do colonialismo português visava a desculturação dos povos colonizados. Portugal impôs seus padrões ao voltar-se obsessivamente para as conquistas ultramar, mas também sofreu transformações sociais, políticas e culturais significativas como conseqüência de seu processo de colonização. Temos que considerar que num conjunto dialético, as articulações ideológicas incorporam imposições de padrões e não refletem somente transformações unilaterais.
As tendências literárias engajadas desses intelectuais trabalham numa visão de conjunto. José Saramago, Uanhenga Xitu e Severo D’Acelino apresentam diferenças em seus textos a partir de uma dinâmica literária moldada por fatores histórico-sociais, os quais levam o sujeito histórico a promover uma imersão no seu universo cultural tendo como princípio a sua própria dinâmica comunicativa.
A resistência dos personagens a uma ordem hegemônica é também matéria do escritor consciente. Os personagens: o homem do povo, “Mestre” Tamoda e Conceição falam de um lugar de enunciação onde, as diferenças que aparecem no trabalho literário individual, servem de revisão histórica das condições sócio-culturais de uma minoria não veiculada por um sistema literário nacional. Os textos, às vezes, se aproximam em decorrência de uma consciência crítica partilhada pelos escritores, pelas semelhanças entre os processos literários que utilizam e, principalmente, por uma configuração do imaginário social que antecipa uma experiência de interação dialética com outras culturas.
Espera-se que os escritores de literatura engajada, os intelectuais da esfera pública, não falem pelas minorias, não substituam a fala dos grupos minoritários por seus discursos literários, mas que, sobretudo criem estratégias particulares e contextualizadas para através da estrutura ficcional dar voz ao outro, possibilitar que este outro, tendo sua presença e criação justificada pelo contexto ficcional, possa expressar-se a partir de suas próprias aspirações que emergem de espaços periféricos, de lugares de exclusão.
Anônimos ou não, os personagens de Saramago, Uanhenga Xitu e Severo D’Acelino se apropriam de um discurso cuja tensão transposta para o texto evidencia uma manifestação ideológica através de aspirações subjetivas, não totalmente particulares, mas de certa forma coletiva.
Os intelectuais da literatura engajada em Angola e Brasil, mais precisamente Uanhenga Xitu e Severo D’Acelino promovem, através do reconhecimento de uma identidade nacional, a atualização de um momento histórico que, em debate, impulsiona o processo de desalienação cultural, quando traz à cena o caráter pluralístico da cultura do quimbundo, pela língua, e da cultura brasileira, pela resignificação da ancestralidade, tendo sempre em vista a democratização da vida social.
Já Saramago, cuja produção ficcional procura recontar a história de seu país, toma para a sua narrativa o papel reduzido dos anônimos pelos grupos hegemônicos e amplia, a partir da própria resistência do personagem, sua forma de participação no discurso, até então, historicamente escamoteada por uma oficialidade alienadora. O que Saramago faz é reconstruir essa história, que parece escamoteada, com o exercício de uma prática literária, em que a subalternidade ganha a formulação de um discurso de “verdade” e cheio de articulação de reflexões voltadas para uma intervenção política, social e cultural.
A caligrafia de Saramago recupera a história na estória. Esse movimento de recuperação proporciona uma dinâmica ao texto, onde os supostamente vencidos estejam no centro. Os personagens de Uanhenga Xitu e Severo’Acelino por questões históricas também são levados a uma representação de ascensão revolucionária no texto, ações que se pressupunham estáveis sustentam linhas discursivas baseadas num estatuto de resistência à imposição cultural do colonialismo português.
Dessa forma, quer seja por uma recuperação historiográfica, por uma revisão lingüística ou por uma valorização às raízes ancestrais, a dialética discursiva criada por estes intelectuais seduz o leitor para as discussões em torno das interseções coletivas. Os personagens representam sujeitos históricos capazes de problematizar o entrecruzamento estória/história, um modo de refletir no tecido verbal construído, a experiência de um cotidiano social fundamental à subjetividade da existência humana, de sua pluralidade presente. De acordo com Edward Said: Em outras palavras, o resultado dos atuais debates sobre o multiculturalismo não se afigura propriamente uma “libanização”, e se esses debates apontam um caminho para transformações políticas e mudanças na forma como se enxergam as mulheres, as minorias e os imigrantes recentes, não há por que temê-los nem tentar evitá-los.(SAID, Edward, 1995, p.28-29).
A narrativa deste projeto literário movimenta a escrita dos intelectuais para uma auto-reflexividade multicultural. Neste sentido, a narrativa não é apenas o registro, mas um instrumento que direciona o paradigma da ideologização dos discursos da autoconsciência teórica sobre a história enquanto oficialidade e a ficção como pedagogia para uma releitura do passado no presente, onde as diferenças sejam interpretadas como parte da diversidade de configurações identitárias legitimadas por uma escrita literária pronta ao questionamento de verdades absolutas.
Referências Bibliográficas: ABDALA JR., Benjamin. De Vôos e Ilhas: Literatura e Comunitarismos. Cotia/ SP: Ateliê Editorial, 2003. GAZETA DE SERGIPE. Sergipe, março de 2004. Nº 13.516. HALL, Stuart, A identidade cultural na pós-modernidade, Rio de Janeiro: Dp&a Editora, 2001. SAID. Edward, Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias Africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1985. SARAMAGO, José. O Conto da Ilha desconhecida. São Paulo: companhia das Letras, 1998.
SEVERO D’ACELINO.
Sergipano de Aracaju, (47) filho de Acelino Severo dos Santos e Odilia Eliza da Conceição – Fundador do Movimento Negro em Sergipe; Bahia e Alagoas – Ativista dos Direitos Humanos – Poeta , Dramaturgo , Diretor Teatral , Coreográfo , Pesquisador das culturas Afro indigena de Sergipe , Ator . Em 68 fundou o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves em 73 os Cactueiro Cênico Grupo e Teatro GRFACACA, introduzindo o Teatro Armorial e o Teatro de Rua em Sergipe. Dirigiu diversas peças e espetáculos de dança, entre eles: Maria Virgo Mater Dei, O Mistério da Rosa Amarela, A Última Lingada, De Como Revisar Um Marido Oscar, Terra Poeira in Cantus, Navio Negreiro,Água de Oxalá, A Dança dos Inkices D’Angola, Iybo Iná Iye, João Bebe Água. No Cinema interpreta Chico Rey , Espelho D’Agua e na Televisão: Thereza Baptista Cansada de Guerra. Autor de diversas peças textos e coreografias destacando a Suíte Nagô. Casado, Militar Reformado da Marinha de Guerra do Brasil. Coordenador Geral da Casa de Cultura Afro Sergipana.