segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

RIVALDO SÁVIO DE JESUS LIMA


COMENTÁRIOS ANALÍTICOS – PSICO (ANÁLISE)LITERÁRIA
Professor Rivaldo Sávio de Jesus Lima*

Estava certo, não me enganei. Quando vi (e ouvi) Severo pela
primeira vez, e isto lá vai uns bons anos, vislumbrei através daquela
voz de trovão, tal como um orixá, um homem doce e sensível, voltado
para um ideal humanitário – a causa do negro brasileiro -, e isto
acaba de se confirmar na materialização do seu último livro: “Visões
do olhar em transe – poemas transculturais afro sergipano”.

D’Acelino, este guerreiro D’Angola ou talvez da Guiné, tratase
de fato e de direito de um negro assumidamente sergipano (ou
seria ao contrário?), que pensa África mais fala Brasil.

Outrossim, é um Educador no sentido mais profundo desta palavra,
pois transmuta almas, indo no imo da sua essência. Busca na periferia
de Aracaju, no interior do Estado, nos quilombos e nas comunidades
carentes e marginalizadas, freqüentadas pelos políticos (brancos
e negros) apenas em épocas de eleição, conscientizar esta população
mulata, parda, negra de fato, da sua condição política, social e racial.
Este professor politizado e de atitude, muitas vezes foi considerado
rude, agressivo até. Porém, tem fleuma bastante para cativar
as platéias, pois fala com seu coração, fala da sua experiência
mostrando sua verdade e sua conseqüente indignação com o sistema
social perverso e excludente e que remonta os primórdios da nossa
colonização extrativista e preconceituosa, cheia de dogmas e interesses
mesquinhos.

Pois bem meus amigos, este ator, esta “figura carimbada”,
por ser difícil de se encontrar na raça humana, me convidou (e me
emocionou) para analisar a sua obra poética e biográfica. Trabalho
árduo, e ao mesmo tempo prazeroso, que pretendo iniciar.
Dessa forma, numa primeira leitura de seus versos, observase
três facetas do poeta: uma de caráter público e cidadão, outra
familiar e ancestral e, por fim, uma terceira emocional e psicológica.

De certo a segunda e a terceira faceta me parecem mais associadas,
pois remontam seus aspectos mais íntimos, enquanto que a primeira
trabalha um homem mais social, e que, ao mesmo tempo, que se
mostra para o mundo, se fecha em seus detalhes mais pessoais.
Na primeira faceta o autor volta-se para o entendimento do
negro brasileiro, para a questão do racismo e para a carência de políticas
públicas educacionais.

Aponta a necessidade de uma democracia social mais ampla e verdadeira ao invés de cotas universitárias discriminatórias ou de um apartheid social velado. Coloca, ainda, em seus versos ácidos, que o negro é capaz sem precisar de um “empurrão” dos brancos, mais sim que estes negros precisam ter seus direitos de cidadãos garantidos na íntegra, ou seja, igualdade com os brancos desde a maternidade, na pré-escola e em todas outras condições previstas na sociedade.

Fala também, especialmente, da política sergipana e do seu
desapareço por uma política educacional que questione a “história
oficial”, levantando a verdadeira e marcante influência africana em
nossa cultura, além de discutir nas escolas (de forma obrigatória e
legal) a questão racial em Sergipe e no Brasil, conscientizando os
jovens da sua condição e desenvolvendo com estes alternativas próativas
para estruturar uma verdadeira democracia racial e social.

Na sua segunda faceta, remonta o autor sua família e sua ancestralidade
africana, através dos arquétipos da natureza e da religiosidade.
O próprio Severo afirma: “não procuro ancestrais dentro
de min, porque sei que estou no interior deles”. Percebe-se nesta
fala do poeta uma força telúrica e espiritual, representadas muitas
vezes pelo Rio São Francisco e seus mitos, na floresta tropical e em
seus índios, no mar e nos mistérios de Iemanjá. Mais também fala da
energia solar que pode dar vida e ao mesmo tempo castigar, fustigar
e ressecar o solo e a nossa alma. Este é o espírito de Severo: místico
e ecológico, mágico e natural, Homem-Rio caudaloso e refrescante.
Na terceira vertente, D’Acelino trabalha suas emoções e seu
psiquismo.
Seus versos “expressam os meus encontros nos desencontros
da emoção e construção do meu pensamento sem nenhum
rastro de racionalidade”. Desenvolve sua auto-estima e identidade
psicológica, através de símbolos arquetípicos inconscientes, “prato
cheio” para os Junguianos de plantão.

Encontramos também um homem apaixonado, com seu olhar
platônico preso pelo magnetismo do olhar de sua amada. Manifesta
este amor romântico que me faz lembrar uma paixão adolescente,
misto de pureza, doação afetiva e sensualidade.
No entanto, encontramos também um homem maduro, calejado
pelas intempéries do tempo, repleto de aprendizagens/ensinamentos.
Um homem, às vezes triste, outras vibrante, inquietante.
Que denuncia de forma dramática, porém realista, a sua condição de
negro, preto, de cidadão brasileiro.

Aponta em alguns momentos suas dúvidas quanto à intelectualidade,
quanto à academia – lócus do conhecimento -, que ao invés
de se abrir e voltar-se para a cultura e o social, limita-se tão somente
aos seus egos inflados, seus títulos do Olímpo, se elitizando cada vez
mais e ficando longe deste povo moreno, pobre e ignorante.
Enfim, falar deste livro era inexoravelmente falar deste homem
que tanto admiro. Guerreiro, não da Guiné, do Quênia ou da
África do Sul, mais sim das “savanas” sertanejas.
Não do nativo do Vale do Rio Nilo ou do outrora escravo construtor das Pirâmides do Egito, mais do ribeirinho do Rio São Francisco ou munícipe da Serra de Itabaiana. Falar de Severo é falar dos vaqueiros, das rendeiras,
dos cangaceiros e do sanfoneiro que anima o forró, ícones que tão
bem traduzem a cultura deste povo nordestino miscigenado, e que
estão na essência espiritual deste guerreiro brasileiro que já luta bravamente há 60 anos.

* É professor do Departamento de Psicologia de UFS.

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SEVERO D’ACELINO. Sergipano de Aracaju, (47) filho de Acelino Severo dos Santos e Odilia Eliza da Conceição – Fundador do Movimento Negro em Sergipe; Bahia e Alagoas – Ativista dos Direitos Humanos – Poeta , Dramaturgo , Diretor Teatral , Coreográfo , Pesquisador das culturas Afro indigena de Sergipe , Ator . Em 68 fundou o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves em 73 os Cactueiro Cênico Grupo e Teatro GRFACACA, introduzindo o Teatro Armorial e o Teatro de Rua em Sergipe. Dirigiu diversas peças e espetáculos de dança, entre eles: Maria Virgo Mater Dei, O Mistério da Rosa Amarela, A Última Lingada, De Como Revisar Um Marido Oscar, Terra Poeira in Cantus, Navio Negreiro,Água de Oxalá, A Dança dos Inkices D’Angola, Iybo Iná Iye, João Bebe Água. No Cinema interpreta Chico Rey , Espelho D’Agua e na Televisão: Thereza Baptista Cansada de Guerra. Autor de diversas peças textos e coreografias destacando a Suíte Nagô. Casado, Militar Reformado da Marinha de Guerra do Brasil. Coordenador Geral da Casa de Cultura Afro Sergipana.