sábado, 20 de dezembro de 2008

UMA DANÇA PARA SÃO GONÇALO



Uma dança a São Gonçalo


Sentada no batente da janela, Maria Zenão, lamentava a sua sorte e pensava o que poderia ter sido a sua vida se oportunidade e coragem para fazer o que de vez enquanto sua cabeça pedia, mais tinha medo e vergonha até em pensar. Com 37 anos de idade, sozinha depois que seu pai morrera, não tinha amigas, se roia de inveja toda vez que via uma mulher grávida, olhava sempre com ternura as crianças da redondeza, pensando que poderia que poderia ser sua, mas não se animava a dar liberdade aos homens que conhecia e que olhavam com cara de safados para ela, era uma falta de respeito.

Até essa altura não havia parido os filhos que desde a sua infância planejava, quando brincava desfolhando e conversando com as flores de quiabeiros, em abundância na roça do seu pai;
- Este aqui é o meu mais novo, seu nome é bebeu. Já tenho, Palito, Moé, Janjão,Chiquinho, Dada, Leléco, Dindi, Zenão, e a minha Maria Joana.

Recordava com um misto de tristeza de melancolia. Era assim que fazia naquele tempo. Neste momento se transportava para aquela roça que lhe viu crescer e há 26 anos teve que deixa-la para conhecer outro local, viver com outras pessoas , ali era seu universo o seu divertimento até ir para a casa de sua tia, conhecer e conviver com suas primas.

O tempo foi passando, estudando na casa de sua madrinha, fez a sua alfabetização e o primário, viu muitos meninos apanhar de palmatória, mas nunca apanhou, não porque a professora fosse sua madrinha mas porque gostava muito de estudar, queria ser professora e ter muitos filhos, ali conheceu todos meninos e meninas do local, o povoado era pequeno e tinha pouca gente.

Maria de Zenão recorda com tristeza seu pai, um homem íntegro e cheio de amor, sente saudades e respira fundo para não chorar. É talvez por sua causa que ela sempre desejou ter muitos filhos, lembra que na sua infância não tinha irmãos para brincar e por isso inventava os filhos. Seu pai morreu de uma mordida de cobra, cortou o local com uma faca para sair o veneno mas não conseguiu ser atendido a tempo. Morreu calmo, três dia depois, mas estranhamente Maria não ficou traumatizada, para ela seu pai sempre esteve por perto e brincava até com seus filhos.

Maria de Zenão logo cedo se acostumou com seu nome, sabendo ligado ao pai, Alfredo Zenão, muito conhecido e respeitado no pequeno povoado, exímio dançador de São Gonçalo, nunca foi Mestre porque não quis, quando lhe perguntava ele sempre dizia que os outros tinham mais tino pois ele queria era tocar o seu Ganzá e dançar com os companheiros. Não conhecera a mãe que faleceu quando do seu nascimento, foi criada pela velha Cardozo, rezadeira, devota de São Gonçalo e parteira do Povoado e sempre que o pai saia párea a raça, Maria o acompanhava e se entregava as suas fantasia infantis, até ser mandada para a casa da tia no Machado. A Velha Cardozo sua Vovó, tinha morrido.

Na casa de sua tia, sua vida era uma incógnita, misto de melancolia e realidade fantástica, onde sua razão entrava em choque com a realidade e se sentindo vítima do destino, não andava com ares de derrotada. Com o passar dos anos suas primas foram se transformando e saindo do povoado, indo para outras plagas, umas para o Rio de Janeiro, outras para Bahia, São Paulo para trabalhar nas cozinhas como domésticas e lá se casando ou tendo seus filhos mas todas elas arranjaram maridos e tiveram os filhos que ainda johe sonha em tê-los mas acha que não os terão.

Se achando com a idade já avançada, sentindo as dores nos peitos túrgidos com a chegada da menstruação e nada de emprenhar, mas como se não conhecia e nunca esteve com homens. Quer um homem mas não sabe como fazer, os que aparece mostrando algum interesse não tem lhe agradado, sente medo e nojo acha que são homens mundanos e só quer um homem de casa, para sua companhia e sua cama.

Levantou do alpendre e se dirigiu para o quarto, pois as horas já se passara e tinha que se aprontar para a novena de São Gonçalo na casa de Sá Terezinha para pagamento de promessa pela saúde do seu marido e hoje a noite tinha u Meia Dança a São Gonçalo, a esta hora o pessoal já devia de estar chegando., ela gostava muito de ver os homens dançando o São Gonçalo, parecia que estava mais perto do seu pai, pois foi um grande dançador do prupo pagador de promessas.

Maria se dirigiu para a casa de Sá Terezinha, sozinha como sempre, nunca sentiu medo de andar sozinha nem medo da escuridão, se distraia com o que via no caminho ou no que pensava ver, deparou com o lavrador Francisco, também dançador de São Gonçalo que lhe dirigiu um cumprimento e aproveitou para dizer em tom de brincadeira;
- Hoje eu vou aproveitar e pedir a São Gonçalo para mim arranjar um Marido e prometo pagar uma Dança.
Seu Francisco extranhou, pois sabia que Maria Zenão não era chegada a conversa e pouco falava com as pessoas. Se animou e respondeu.
- Sá Maria , a senhora não precisa de pedir a São Gonçalo, basta abrir os olhos e vai ver que não precisa de promessa. Mas em todo caso, vou vou pedir também, fazer uma promessa, quem sabe, o Santo mim arranja uma mulher.
-
- Segui-se um tenso silêncio , Maria se sentiu ofendida e Francisco sentiu que fora longe de mais. Continuaram andando em silêncio que só foi quebrado quando chegaram na casa de Sá Terezinha

Francisco, um negro forte, agil, seguro de si, mais introvertido, sempre recolhido em si mesmo, de poucas palavras,alto, chegando a quase dois metros , voz de barítono ressacado, dono de uma prospera roça, solteiro sem filhos e sem mulheres,pouco dado ás farras e sua única distração era a dança de São Gonçalo de quem era devoto, diziam a boca miúda que a sua única paixão era Maria Zenão e que muitas das vezes fora visto pastoreando a sua casa, rondando que nem uma raposa no cio. Mas Francisco diante de Maria Zenão, sufocava a paixão e nunca se declarou.

Chegaram na casa da velha S’A Tereza já noitinha, não era muito distante de sua casa, foram recebidos pelos presentes a quem logo Maria Zenão se juntou para ficar perto da imagem de São Gonçalo, e Francisco foi se aprontar para se juntar aos demais dançadores e esperar que o Mestre iniciasse a Dança.

Findo o ritual com o papagaio, pois era só meia dança, todos foram participar dos comes e bebe, oferecido pela dona da casa e pagadora da promessa. Francisco aproveitou da proximidade com Maria e falou que também fez sua promessa, Maria fez que não ouviu e sem dar qualquer conhecimento de importância se dirigiu a um grupo que se preparava para deixar o local e pediu para que lhe deixassem perto de sua casa e seguiu com eles, Francisco ficou sem jeito e acompanhou o grupo, cabisbaixo e em silêncio, quando Maria se separou do cortejo para entrar em casa, aproveitou e deu boa noite e seguiu em frente com os demais.

Apartir desta noite, a vida de Maria Zenão sofreu uma grande mudança, sua vida parecia coberta de sol, começou a cumprimentar Francisco, a lhe pedir pequenos favores, a lhe oferecer pratos de comidas alegando que havia feito demais e três meses depois não se sabe como, Maria Zenão deixou aparecer uma barriga que parecia ter cinco meses, sem o menor pudor.Omo era de se esperar, Francisco não arredava os pés da casa de Maria a quem mimava a toda hora que se descuidou até de sua roça e seus animais e todo carrancudo fazia que não percebia os olhares , os boatos e falação da vizinhança lhe cobrando explicações e perguntando quando seria o casamento

Seis meses depois, Maria pariu trigêmeos. E logo se preparou para o batizado,pois durante o resguardo, convidou os padrinhos e mandou Francisco encomendar o batizado e correr os papeis para o casamento, celebrado no mesmo dia do batizado.

O Domingo se apresentou para os vizinhos de Maria Zenão, muito alegre, o dia estava prometendo muita animação, a casa estava toda arrumada com os espaços reservados , cheirando a manjericão, um altar estava sendo preparado na sala com diversos bancos espalhados na varanda, pois a casa de Maria Zenão é muito grande, com diversos compartimentos e um a enorme varanda, parecia até casa de hospedaria e assim Maria se soltava na arrumação com suas vizinhas, para a Novena de logo mais onde com uma dança, pagaria a sua promessa a São Gonçalo. Francisco carrancudo e caladão como sempre não cabia de contentamento pois era chegada a hora de manter o prometido, já tinha a mulher, já tinha casado, já tinha três filhos de uma só vez, a mulher já lhe disse que estava prenha de novo, agora era agradecer e dançar.

A festa foi feita a tarde, o Grupo do São Gonçalo chegou na casa de Maria Zenão, agora Maria de Xico, sem o Francisco que lhe aguardava em casa para o ato religioso. Foi rezado a novena, dançado uma Dança com a dupla intenção e como sempre o ato do papagaio, foi concorrido com o grande banquete oferecido e partilhado por todos . Maria estava feliz, mas esta felicidade era interiorizada seus olhos reluziam sempre que respondia acompanhando as loas do São Gonçalo, ali para ela o que mais se destacava era a figura do seu pai, dançando o São Gonçalo e feliz olhava seu marido como que a dizer-lhe que seu pai dançava para São Gonçalo.

Ora viva e ore viva
Ora viva e ore viva
Viva São Gonçalo
Viva.

A procissão realizada logo após o ritual do Papagaio ou seja, do repasto onde todos se confraternizaram em banquete, foi conduzida por muita gente do local, o andor de São Gonçalo estava muito bem ornamentado com especial atenção, á frente conduzindo o barquinho seguia a mariposa, uma senhora já idosa, seguida pelo grupo de dançantes o andor e os penitentes com os acompanhantes. Esta procissão é uma ação da religiosidade popular e não tem a presença de sacerdotes, o ato é de inteira responsabilidade do Mestre do São Gonçalo e dos pagadores das promessas.

Três anos depois o casal estava as voltas com nove filhos fazendo estripulia por dentro de casa, batendo nos pules do avô e deixando Maria Zenão, louca de alegria. Tinha tido mais três barriga de gêmeos e o mais interessante é que nem na sua família ou na do marido, não tinha nenhuma noticia de gêmeos

Maria e Francisco, viveram por muitos anos, criou os netos e seus bisnetos andam povoando os povoados vizinhos e o Vale do Cotinguiba com seus filhos, sempre devotos de São Gonçalo se reunindo todos os anos.
‘Ora Viva e Ore Viva
Viva São Gonçalo Viva”

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SEVERO D’ACELINO. Sergipano de Aracaju, (47) filho de Acelino Severo dos Santos e Odilia Eliza da Conceição – Fundador do Movimento Negro em Sergipe; Bahia e Alagoas – Ativista dos Direitos Humanos – Poeta , Dramaturgo , Diretor Teatral , Coreográfo , Pesquisador das culturas Afro indigena de Sergipe , Ator . Em 68 fundou o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves em 73 os Cactueiro Cênico Grupo e Teatro GRFACACA, introduzindo o Teatro Armorial e o Teatro de Rua em Sergipe. Dirigiu diversas peças e espetáculos de dança, entre eles: Maria Virgo Mater Dei, O Mistério da Rosa Amarela, A Última Lingada, De Como Revisar Um Marido Oscar, Terra Poeira in Cantus, Navio Negreiro,Água de Oxalá, A Dança dos Inkices D’Angola, Iybo Iná Iye, João Bebe Água. No Cinema interpreta Chico Rey , Espelho D’Agua e na Televisão: Thereza Baptista Cansada de Guerra. Autor de diversas peças textos e coreografias destacando a Suíte Nagô. Casado, Militar Reformado da Marinha de Guerra do Brasil. Coordenador Geral da Casa de Cultura Afro Sergipana.