sábado, 20 de dezembro de 2008

O GUERREIRO DE ARAMEFÁ



O GUERREIRO DE ARAMEFÁ

CONTO Contra A INTOLERÂNCIA

Severo D’Acelino

Fazia tempo que meu amigo, o guerreiro de Aramefá, não passava por aqui. A meninada hoje já criada, umas já embarrigadas e outros pais de filhos, mas todos na lida do dia-a-dia, curtindo o sol e a chuva quando tinha, na preparação da terra, plantando arroz nas várzeas e pescando quando dava porque caça não tem mais.

No terreiro o esforço de todos na manutenção da religiosidade que ninguém quer deixar, mesmo porque é a única atividade para manter a família neste curral, fim de mundo.
Era a Maria de Tinoco que falava pensando alto, enquanto varria o terreiro e espantava as galinhas.

A canoa chegava não da pesca, mas do outro lado do rio, foram levar umas galinhas para vender na feira e lá tinha se encontrado com o velho Aramefá, que se dispôs a visitar o terreiro e ver os meninos que havia ajudado a nascer.
De vez em quando o andarilho era solicitado para atender o povo nas mais diversas necessidades e ofícios.

Foi muito festejada a sua chegada, todos se reuniram em torno do andarilho e perguntas das mais diversas eram feitas, umas com respostas e outras silenciadas ou substituídas por outras perguntas do andarilho.

Anoiteceu , as crianças desceram para a prainha a fim de tomar banho e levaram com elas o Andarilho que aceitou sem protestar, se juntou as algazarras do grupo e nadou, mergulhou e depois boiou demoradamente até ser interrompido pelos chamados que vinha lá de cima.

Pegou a cabaça que sempre trazia consigo e falou dentro do gargalo, balançou e de repente o som do vento batendo nas folhas dos matos se tornou audível. O grupo já se distanciava, pois sabiam quando deveria deixar o andarilho a sós e sem interromper seus pensamentos.

Quando o andarilho chegou na casa, todos já estavam a mesa para o repasto, pois enquanto se divertiam no rio, Maria de Tinoco preparava o jantar com muito inhame, batata e galinha, era a comida preferida do andarilho.

Assim que transpôs o umbral da porta houve um pipocar de trovoada que foi recebido com um grito de Maria e o assobio do andarilho. – Vamos ter fartura. Hoje chore para o mês todinho. O rio vai transbordar de peixes e a roça vai prosperar.

O filho mais velho de Maria se encolheu e gritou - Vige. Isso é feitiçaria. Eu não vou ficar aqui não. O andarilho olhou para ele e disse. O Pastor meu fio, não lhe falou que o Deus de Abraão é o mesmo de Jacob ? Ele não lhe disse que os poderes da natureza tem seus poderes escritos na Bíblia.

O homem pode e deve invocar os poderes da natureza e ela aceita se o homem for guiado pelo destino. Todos ficaram em silencio, pois ninguém ali falava no assunto que tanto desgostava Maria de Tinoco.
Apareceu um Pastor pelo local e começou puxar o Ambrósio, filho mais velho de Maria, para a religião dele. Quando Maria soube, ficou transtornada e não disse nada. Todos ali sabiam que foi ela que chamou o andarilho. De uns tempos para cá ela andou sumida da vista do pessoal e as noites, andava pelos matos e dizem até que vira ela no culto do Pastor, mas nada foi comprovado o certo pé que o Pastor começou a perder umas pessoas da sua Igreja.

A chuva caia vestinginhosamente e o vendaval impedia que alguém saísse de casa ou dos abrigos. O andarilho pediu que Ambrósio lhe fizesse companhia a mesa e todos comeram alegremente como se nada houvesse acontecido.terminado o repasto, ali na mesa o andarilho começou a falar.

Não se dirigia a ninguém, mas disse que antigamente os negros eram forçados a praticar a religião dos brancos e os que eram acusados de feitiçaria eram levado a pena de morte era muita maldade com os negros escravos.

Muitos fugiam para os quilombos com medo de morrer e outros praticavam a religião do branco, acompanhando seus senhores e ficavam nos fundos da igreja, não podia sentar junto com os brancos.

Depois os negros começaram a freqüentar a uma seita, chamada de irmandade e começaram então a fazer suas igrejas, mas nunca se esqueceram dos seus Orixás e da sua religião que nas brincadeiras, faziam seus cultos ali mesmo na casa do senhor, nas senzalas e em todos os lugares, os brancos diziam que era coisa dos negros, as brincadeiras eram mais forte quando tinha festa nas Igrejas, procissões.

E não era só os negros que eram forçados a praticarem a religião do branco não, também outros brancos tinham as suas religiões e eram proibidos. Muitos Pastores foram presos e como os negros, deportados e mortos.

Essas morte foram muitas até que foi mudando e outros brancos foram praticando suas religiões, mas para os negros foi piorando, porque era perseguido por todos os brancos de todas as religiões.
A resistência dos negros em todo canto foi grande para que os Orixás tivessem os mesmos direitos dos Santos das Igrejas e o povo das outras religiões.

Diziam que era a religião do Estado, que era oficial e por isso todos deveriam praticar o religião do Estado. Dizem também que o Estado brigou com a Igreja e se separaram, mas não deixou de perseguir os negros.

Muitos falam por ai que já se tem liberdade de religião, mas os negros só têm mesmo é a proteção dos seus Orixás e a sabedoria dos poucos feiticeiros que restou. Fazem uma lei, mais esquecem da acabar com as outras que ainda perseguem os negros e seus Orixás e suas tradições.

O tempo foi passando, continua o andarilho e cada vez mais o negro é escravizado, agora é escravizado pelos Pastores que lhes oferecem o gloria do céu, o conforto da terra, e o negro continua mane gostoso, trabalhando para manter os pastores felizes e saudáveis, para orar por Deus e Jesus e dar ao negro a salvação, distante de suas tradições e dos seus Orixás, seus Caboclos, seus Pretos Velhos e suas Entidades.

E virando para Ambrósio, disse: Hoje os Padres e os Pastores sabem mais de negros, de Orixás e de Caboclos e de Pretos Velhos e de Entidades do que os negros e seus Feiticeiros, mas não tem o poder dos próprios negros e feiticeiros de invocar e conviver com os seus Ancestrais e de falar com a natureza. Enquanto eles ficam lendo o livro que é conhecido como sagrado.

O negro não precisa de livros para falar com os Orixás e conviver com os seus poderes. É por isso que o negro é escravo, ainda tem a mentalidade escrava e tem medo de voltar para ao cativeiro, só que agente tenta se enganar.

O cativeiro não acabou até aqui o negro é vigiado, vive esfarrapado sem direito a trabalhar e só vivem de favores, os favores dos senhores quando a escravidão acabou, que para anão morrer de fome se humilhou para continuar nas senzalas, servindo a casa grande por um lugar para ficar e um prato de comida para não morrer a mingua, como muitos morreram nas estradas, indo para não sei onde. Foram expulsos dos engenhos e só os Orixás lhes seguraram com os ventos e intentos que Exu lhes mandava.

Mas os brancos mandaram a policia acabar com os esfomeados e só os mais fortes que conseguiram se reorganizar em quilombos e viveram mais um pouco, nos matos sendo caçados como bicho e quando chegavam nas cidades eram tratados como ladrões. Ainda hoje o negro é discriminado e tratado como marginal, como feiticeiro, como coisa ruim, mas desde as... Ouviu-se o barulho dos raios cortando o céu e um barulho ensurdecedor de alguma coisa caída na terra estremecendo o chão como um terremoto. O silencio abateu aquela sala onde todos sentados, os pratos ainda na mesa e... Cadê o andarilho?

Ninguém viu nada. O andarilho simplesmente não se encontrava mais ali, o trovão roncava e os raios estralavam cortando os ares. Amanhecia e todos em estado de estupor
Não tinham a menor noção de como estava todo lá fora. Tentaram abrir a porta, mas não conseguiram, os meninos tentaram as janelas, mas nada. Maria mandou que todos ficassem onde estavam que ela iria dar um jeito. Como ninguém tinha dormido, mandou que fossem para suas camas que ela iria dormir um pouco.

As chuvas continuavam e o rio trasbordou e quando as chuvas pararam a noite , a lua apareceu brilhante que a noite parecia dia. Maria manteve todos dentro de casa e foi para o Terreiro verificar os estragos, mas estranhamente não havia nenhum estrago visível. Acendeu umas velas e cantou o angorossi, cantava e cantava na sua imaginação o Barracão estava cheio de gente que respondia os cânticos de louvores e saudação aos Orixás..
Em casa, todos os filhos e netos respondiam em coro os cânticos que vinha da lá. O dia encontrou todos reunidos saudando Ogum Raio de Sol.

As portas foram abertas pelo lado de fora, e todos poderam ver as cabaças que se encontravam boiando numa poça que foi feita no terreiro. Maria mandou recolher todas as Cabaças e levarem para as águas do rio que estranhamente estavam límpidas em vez de barrentas e as cabaças depositadas fizeram um rodopio e lentamente deixaram se levar pelas correntezas, rumo ao mar.

Três dias depois Ambrósio ao chegar no centro do terreiro onde estava a poça de água, encontrou o buraco aberto, mostrando uma enorme pedra preta. Gritou como um alucinado chamando a mãe que chegando no local ao olhar para a pedra, saudou efusivamente o Orixá; Kaô Kabiecilê!!! E se prostou no chão. Ao longe alguém cantava saudando Ogum. Patakori, Senhor da Guerra, Protetor da Agricultura. Era a voz do andarilho. Maria e Ambrosio abraçados, choravam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário


Seguidores

Quem sou eu

Minha foto
SEVERO D’ACELINO. Sergipano de Aracaju, (47) filho de Acelino Severo dos Santos e Odilia Eliza da Conceição – Fundador do Movimento Negro em Sergipe; Bahia e Alagoas – Ativista dos Direitos Humanos – Poeta , Dramaturgo , Diretor Teatral , Coreográfo , Pesquisador das culturas Afro indigena de Sergipe , Ator . Em 68 fundou o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves em 73 os Cactueiro Cênico Grupo e Teatro GRFACACA, introduzindo o Teatro Armorial e o Teatro de Rua em Sergipe. Dirigiu diversas peças e espetáculos de dança, entre eles: Maria Virgo Mater Dei, O Mistério da Rosa Amarela, A Última Lingada, De Como Revisar Um Marido Oscar, Terra Poeira in Cantus, Navio Negreiro,Água de Oxalá, A Dança dos Inkices D’Angola, Iybo Iná Iye, João Bebe Água. No Cinema interpreta Chico Rey , Espelho D’Agua e na Televisão: Thereza Baptista Cansada de Guerra. Autor de diversas peças textos e coreografias destacando a Suíte Nagô. Casado, Militar Reformado da Marinha de Guerra do Brasil. Coordenador Geral da Casa de Cultura Afro Sergipana.