
O REI DE OBÁ
No tempo da escravidão viveu na Vila de Laranjeiras um negro alto, robusto, sábio de olhar prescutador, e modos elegante e muito atencioso. Seu nome era Herculano a quem todos da vila tinha respeito. Era tido como um grande feiticeiro por uns e o grande embaixador africano por outros e Chefe dos Malês a quem lhes atribuía força e grande poder espiritual, sobretudo pelo Cajado que sempre carregava consigo, não para se encostar mas como símbolo do seu poder.
Esse Cajado era cobiçado por muita gente, principalmente entre os negros que conheciam o seu símbolo, valor e significado, Herculano transitava em laranjeiras em todos os níveis entre negros e brancos entre padres e feiticeiros e a todos respeitava e era respeitado.
Dizem que muitos senhores de engenho, lhe procurava para encomendar um trabalho ( um feitiço ) contra seus oponentes e que eram atendidos e muitas das vezes chegava a ser ameaçado de ser deportado, mandado de voltas para a África, como de vez em quando acontecia com os negros acusados de feitiçaria mas a seu favor sempre teve grupos de senhores de engenhos e comerciantes, seus clientes que intercediam e Herculano, continuava no seu território e no exercício do seu poder junto a comunidade negra.
Com o enfrentamento das diversas mazelas da Vila, causado pela cobiça e pelo desvelo dos administradores , T”Herculano enfrentou por duas vezes a Peste Negra , um ebó forte enviado para acabar com os que praticavam as violências contra os negros e também pelas pragas que eram dirigida a Vila pelos padres afrontados pelos moradores. Muitos negros morreram da epidemia até que com os ebós oferecidos a exu e aos orixás das folhas, das águas, do vento e da peste para atenuar as pragas e as demandas. Ainda hoje Laranjeiras sofre das quizilas daquele tempo.
Veio a abolição e Herculano manteve o seu poder e a sua importância junto ao povo da vila de laranjeiras onde carinhosamente era chamado de T’ Herculino, sempre junto com o povo Santo, principalmente o de povo da nação Nagô onde os mais forte era o Obá, plantado Por diversas escravas de igual poder, como: T’ Ata, T’ Joaquina, Qelebé fundadora do nação Obá que logo depois de sua mortes, ouve a ruptura com o afastamento de diversas lideranças e a criação do terceiro Santa Bárbara Virgem, mantendedora da tradição nagô segundo a sua Loxá Maior, Umberlina, a quem coube a Herança do bastão de T’ Herculino, com sua passagem ( morte) foi passado para sua sucessora D. Lourdes e desta para as futuras sucessoras.
Com a passagem de T’Herculano para a Cidade de Balé, ele foi elevado a categoria de Entidade, incorporado nos terreiros dando orientação e fazendo imaginar aos pontos que o saldam como rei Obá.
No Terreiro Santa Bárbara Virgem, no tempo de D. Lourdes, numa madrugada enluarada no mês de setembro, os tambores rugiam contagiando com sua energia, todos os presentes numa alegria mística, na Festa do Corte do Inhame, a ultima festa comandada pela grande Lôxa D. Lourdes, era mais ou menos quatro horas da madrugada, havia na roda algumas entidades dançando acompanhado, pelo Patrão, o corô das tocadoras de cabaças ecoava com intensidade, penetrando na alma dos presentes causando uma estranha sensação de leveza, e de repente houve um impacto como se houvesse um grande deslocamento de ar causando um grande rebuliço em torno de uma anciã que se contorcia com grande expressão no ritmo dos tambores e das cabaças se desencilhando dos barcos das mulheres que tentavam em vão segurar –lhe para proteger de algum tombo sem conseguir seus intentos pois a anciã em transe se debatia e se movimentava com estrema rapidez, percorrendo por todo o espaço do terreiro com grande equilíbrio em toda contorções e malabarismos que fazia inveja aos mais afamados atletas, e de repente uma forte energia tomava conta do recinto provocando diversas manifestações ocasionando transes coletivos com violentos barraventos e quase que imediatamente como um raio, diversas pessoas entraram em transe e ouvi – se claramente o cântico vindo dos coros das cantadoras d cabaças, saldando a entidade maior:
Oh! Tio Herculano
È o Rei de Obá.
Neste momento o transe coletivo dava destaque a anciã que estava manifestada com tio Herculano Dançando freneticamente batendo com a mão direita no chão e a outra pra cima botando a mão na cabeça sacudindo – a freneticamente agitando todo corpo rodopiando com os braços abertos e com a Chegada de D. Lourdes, Aloxa, a anciã manifestada deu um pulo alcançando – a e abraçando – a imediatamente, saúdo – a levando - a a rodopiar pelos quatro cantos do terreiro. Este ato arrancou lagrimas dos presentes, mesmo com o avançar da hora o chamado sereno ( local fora do terreiro ), estava repleto de gente, parecia até que a maioria da vizinhança tivessem acordado e acorrido para ver tio Herculano.
Era bonito de se ver, as pessoas presentes parecia todas tocadas pela energia que manava daquele transe coletivo o Patrão dançava também com a anciã manifestada para garantir que nenhum acidente acontecesse, principalmente com a Lôxa que tinha dificuldades em acompanhar o ritmo da anciã que dançava com grande destreza e velocidade que era difícil o Patrão ou qualquer pessoa acompanhar os movimentos.
D. Lourdes deixou a roda e se dirigiu ao interior do quarto de Santos os tambores e as cabaças animavam a dança nesta homenagem a tio Herculano que num passe de mágica, a anciã que parecia ter 75 a 80 anos abandona o barracão em passos largos e busca D. Lourdes no interior da casa retornando com ela para o centro do barracão, deixando – a no centro, dançando com gestos múltiplos e místicos em torno dela, junto com o Patrão onde recebe as homenagens das entidades ali incorporadas.
A madrugada foi longa e a presença de tio Herculano deixou todos exaustos pela carga de energia pelo contentamento e pela expressão. Era um grito de alegria parado no ar, causando apreensão de algo que estava acontecendo e que ninguém sabia o que. D. Lourdes no centro, aparamentada, segurando o cajado, parecia levita T’ Herculano manifestado na anciã iniciou sua despedida abraçando e saudando a todos os presentes, aqueles que estavam do lado de fora adentravam o barracão e entravam para abraçar saudar e pedir a sua proteção, era bonito de se ver parecia que o tempo havia parado até que os primeiros raios de sol se apresentavam com que saudando a presença do Rei de Obá. Lá fora saudado com foguetório marcando a sua subida. Esta foi a ultima vez que D. Lourdes reverenciou T’ Herculano, hoje ela é uma estrela vivendo na constelação das entidades de Obá.
A Lôxa, é
A Lôxa do terreiro de Obá
QUIZILA
A Morte de um Rei Nagô
Em Laranjeiras houve um místico Pai de Santo, tão respeitado quanto no passado foram seus antecessores e iniciadores, dentre eles: T’Oxó, T’Herculano, T’Arta, T’Joaquina, Kelebé, T’Quetê, tidas como iniciadora do candomblé e tantos outros oriundo de outras plagas e etnias, davam continuidade a luta, de resistência, mantendo acesa a unidade na diversidade e tendo no Candomblé o Ponto de Irradiação da Cultura Negra entre nós.
Seu nome era Alexandre, mais conhecido por Alexandre de Gane Gane, que reinava absoluto em Laranjeiras, localizado em área estratégica do município, dando visão a todos que lá chegavam, principalmente se fossem de trem ou de marinete, passavam obrigatoriamente pela frente da sua roça, seu templo, sua nação, um verdadeiro quilombo urbano, que dava guarita a todos que por lá chegassem.
Em épocas passadas foi objeto de grande manifesto pela perseguição policial, principalmente do governo Mainard, que mandava a brigada militar dar caça aos comunistas e aos macumbeiros, proibindo o exercício da religião, invadindo terreiros, destruindo seus símbolos e prendendo seus participantes, principalmente os Pais e Mães de Santos. Por diversas vezes o Terreiro de Alexandre fora invadido e muito dos seus símbolos, Otás e Ferramentas dos Orixás, foram enterrados no sítio e em torno dele para evitar o seqüestro e também por diversas vezes ,Alexandre teve que se refugiar em outros Estados para fugir da repressão política e policial.
Por diversas vezes lá na roça, conhecida pela comunidade de terreiro como sítio, foi refugio de diversos políticos e militantes do Partido Comunista e demais perseguido pela política repressora. O Terreiro de Alexandre era o núcleo da resistência em Sergipe, freqüentado por muitos políticos e autoridades da época, contando com centenas de Filhos de Santos dos mais variados níveis econômico,cultural e social, tendo inclusive a mais antiga Sociedade do Estado, ligada a sobrevivência religiosa com conotação sócio-educativa registrada em cartório e com uma diretoria ativa e idônea, tendo até grande empresário local e usineiro como membro atuante.
Alexandre gozava e sempre gozou de grande prestígio, principalmente pela sua responsabilidade social e importância política. Todos os Pais e Mães de Santo lhes reverenciavam e respeitavam como o ícone da religião orixá. Era de fato uma entidade. E por ser esse ícone e essa entidade as quizilas e as obrigações lhes eram mais pesadas. Dos seus Orixás o que mais lhe marcava era Xapanã, Orixá fino, cismado, violento e muito exigente, não permitia nenhuma quebra de preceito, castigava os seus com mais vigor, beirando a violência, pois sua ira quando provocada era catastrófica com resultados terríveis, seu Oriki assim se expressa:
“Meu pai, filho de Savé Opará.
Meu pai que dança sobre o dinheiro.
Ele dorme sobre o dinheiro e mede sua pérolas em caldeirões.
Caçador negro que cobre o com palha da costa,
Não encontrei outros orixás que façam, como ele,
Uma roupa de pele adornada com pequenas cabaças.
Não queremos falar(mal ) de alguém que mata e come gente.
Veremos voltar, na estrada do campo, o cadáver inchado
Daqueles que insultam Omolu.
Ninguém deve sair sozinho ao meio-dia.”
Esse Orixá impunha diversas proibições, chamadas de preceitos e quizilas, principalmente para os seus omorixás e sacerdotes, a quebra destes preceitos preconizava e preconiza castigos imediatos com pagamento de grandes obrigações requeridas pelo pedido de malembe, a depender das intenções se a transgressão foi deliberada ou não.
Alexandre tinha o Terreiro em Laranjeiras, morava em Aracaju onde mantinha uma residência no Aribê e possuía diversas propriedades no Estado , produto do seu esforço dos serviços que prestava, tinha também, centena de afilhados e filhos adotivos entre estes diversos parentes que eram criados por ele e Tia Alira de Oiya, sua fiel companheira, além disso dava assistência a grande número de agregados, pois como era de costume e de tradição, todos os terreiros tinha e tem sua cota de agregados..
Em Aracaju, além de atender as inúmeras consultas espirituais em sua residência, atendia também em seu Barraco, na Rodoviária, ponto de carga do Mercado, onde mantinha um negócio de carvoaria. Este era o ponto de encontro e de debates de todo tipo, onde recebia os amigos e as pessoas que lhe procurava para pedir orientação. Era o ponto dos contatos.
Não se sabe como, mas de repente Alexandre começou a sofrer de desvios, deixando todo mundo preocupado, quando pensava que ele estava em Laranjeiras, estava em Aracaju, em locais ignorados e quando aparecia, estava com aspecto doentio, vez por outra apresentava estado de sanidade, mas sempre recuperava a sua força e atividades, freqüentava as festas dos terreiros dos seus amigos, que não eram poucos, quando fazia seus festejos era para mais de vinte um dias e para Laranjeiras acorria multidões de filhos de santo além de inúmeros Pais e Mães de Santo, principalmente os mais chegados que ele fazia questão que participassem ativamente dos rituais e neste particular não prescindia nunca de sua Comadrinha, Eliza de Aiyrá, a quem tinha o maior respeito e buscava sempre a sua parceria nas atividades dos ritus.
Passado tempos, Alexandre apareceu com os sintomas de senilidade e sanidade sendo portanto internado mesmo a sua revelia, mas no dizer de alguns observadores,” o caso não era de médico e portanto não deveria internar o velho “, ocorre é que por diversas vezes fugira do hospital e andava a vagar pela rua e por diversos locais. O pessoal de terreiro começou a ficar apreensivo.
Nisso começou a preocupação, pois Alexandre não mais cuidava como antes de suas obrigações com os Orixás, as festas começaram a rarear, toda a responsabilidade passara para Tia Alira que preocupada não sabia a quem dava a sua atenção prioritária, e como cuidar de seu padrinho, pois era assim que o tratava. Vez por outra, outra crise e ele saia de Laranjeiras a pés e ia para Aracaju e lá ficava até que saia e retornava a Laranjeiras sem que ninguém percebesse.
Certa vez ele apareceu todo ensaboado, com a pele toda incrustada, ninguém sabia como e o resultado imediato foi interná-lo para que o dermatologista desse tratamento, mas ele fugia. No dizer de alguém chegado a ele, o acontecido foi causado pela ingestão de Robalo de Estrada (caranguejo), coisa que ele não podia comer, pois é quizila do Orixá, e aí tudo se complicou, nesta época sua melhor amiga a comadrinha, Mãe Eliza, a quem ele mais atendia, estava morando em Niterói no Rio de Janeiro e não pode interferir, num possível malembe ao Orixá, pois o Robalo de Estrada é a quizila mais forte de Xapanã, a transgressão pode não ter sido consciente mas quebrou preceitos.
Alexandre sofreu uma reação ficando com o corpo todo lambuzado com chagas expostas e crostas, perdeu a mobilidade e desesperou Tia Alira que com as demais filhas e sobrinhas, tomou a frente do cuidado para lhes dar melhores condições até o seu falecimento no meio de grandes consternações em todo Estado e fora dele, pois muita gente em pouco tempo ficou sabendo do ato. Alexandre kufou.
Os sinos da Igreja repicava a cada instante, Laranjeiras ficou consternada e para lá acorreram diversas pessoas da seita, diversas autoridades, para reverenciar num último adeus ao Guerreiro da Resistência, o ícone adormecido, a entidade que se recolhia ao Iylê balé, num reencontro aos ancestrais que velavam seu corpo inerte, observando os ritos fúnebre de preparação.
Na sala onde diversos ritus eram efetuados aos Orishas, Voduns e Inkisses, acolhia o rito fúnebre do seu Babalorisha antes do corpo descer a sepultura. Era executado por todos os presentes, através do comando de seus sobrinho e filho de santo, Paulo Gitoki que ajudava Tia Alira e Cecilhinha nos atos da liturgia.
Oshosse, Ogum, Iyansã, Iyemanjá, Obaluaiyê, Oxum – Marê e Nanã, em posto observando o cumprimento do manifesto preparatório para o Sará, que dias depois tomaria lugar.
Os Eguns de toda comunidade, lá estavam pronto para receber e acompanhar o corpo do seu maior.
O Féretro desceu, dando inicio o cortejo em direção da Casa Grande, o Cemitério onde repousara o corpo de Alexandre. Agora entidade desencarnada. Os acompanhantes obedecem ao rito e celebram hierarquicamente todos os passos, com os iniciados em suas posições pontuando e silenciando o ritmo da caminhada. À frente filhos de santos os aborôs e as iyabás e iyas, jogam abadô (pipocas) no chão por onde passará o cortejo conduzindo o caixão, os cânticos são monocórdios e a massa na sua totalidade em suspensão do transe coletivo segura a emoção até a chegada no cemitério, onde ali ladeando a cova, estão presente os Eguns maiores da Comunidade.
A Iyansã Balé de Tia Alira emite seu iylá com um tom inconfundido e indescritível, lançando eco em plena colina.
Os Eguns de T’Arta, TA’Joaquina, Qelebé, T’Oxó, T’Herculano, Sapucari e tantos outros Ancestrais , saudaram a chegada do corpo do Babalorisha e na ocasião da descida á sepultura, o Egum de Alexandre se junta aos demais, no exato momento em que o ilè (pombo), após ser solto pelo seu sobrinho e filho de Santo Paulo Gitoki, filho de Obaluaiyê, retorna e pousa na lousa. Ali estava Alexandre em torno de todos e dos seus Ancestrais observando o transe coletivo no Iylê Balé.
A Iyansã de Tia Alira emitia o seu ilá, despertando os Eguns do cemitério, anunciando a chegada do mais novo desencarnado e nisso aumentava a emoção dos presentes e colocava em transe inconsciente, os omorixás que emanavam suas despedidas em saudação ao ancestral, assinalando a Morte de um Rei Nagô, filho de Xapanã de Gane e Gane e Mede e Mede, o último de sua geração e o Terreiro., numa tarde triste e morna. Pouco tempo depois, se foram Tia Alira, Cecilhinha, e Paulo Gitoki. Beru ló.
João Mulungu Herói da Resistência
BACURO
Há muitos anos, na época da colonização, onde os negros eram escravizados aqui em Sergipe, não se respeitavam nem as crianças, as perversidades contra elas eram terríveis, quando não lhes queimavam ás mãos e ou a boca com cocada e ou outra comida, lhes amarravam num poste qualquer para domar-lhes os ânimos buliçosos, também eram usadas como sacos de pancadas, para livrar os filhos dos Senhores dos castigos corporais, pois eles não podiam passar por nenhum constrangimentos uma vez que lhes estavam assegurada a continuidade do patrimônio, eram os sucessores dos seus pais, e por isso, quando faziam qualquer bolinagem, tinham seus sacos de pancadas para serem punidos por eles.
Era também utilizadas as crianças, principalmente os meninos, como mane gostoso, dado de presente aos meninos da casa grande, para suas brincadeiras e distrações e muitas das vezes os manes gostosos eram os brinquedos sexuais dos seus donos, que se utilizavam deles como objetos de perversão sexual, se iniciavam sexualmente, violentando os escravos manes gostosos, sobre os aplausos e conivências de todos da casa grande.
Essa situação se perdurou por muito tempo contra as crianças escravas que desde o seu nascimento eram penalizadas, não podendo se alimentar do peito das suas mães, porque estava reservado o leite para os da casa grande, quando não, suas mães eram alugadas como vacas leiteiras para alimentar as crianças de quem tinham dinheiro para pagar.
Neste ambiente as crianças viviam muitas das vezes em pior condições que os adultos, que podiam mesmo em desvantagem, se defenderem ou se vingarem dos maus tratos recebidos. Este ódio e esta mágoa infantil, crescia a cada passo de violência sofrida e clamando por reação, e esta se encaminhava a passos largos, através das constantes fugas de crianças e adolescentes dos engenhos para os matos e vez por outra, buscavam outros Senhores.
Nesta época os capatazes e capitães do mato, se esmeravam em capturar crianças e adolescentes fugidas e promover as suas entregas, pois sabiam que seriam bem remunerados, mas sabiam também que dificilmente conseguiriam captura-las se estas estivessem com os grupos quilombolas ou se estivessem em contatos com eles, pois conheciam que uma das estratégia dos quilombolas era o contatos com crianças e através delas a sua relação com os demais negros dos engenhos, como também o conhecimento das ocorrências. As crianças eram os olhos e os ouvidos dos escravos, através delas os chefes quilombolas sabiam de tudo, da movimentação das tropas , do Senhor de engenho, das manifestações de toda vida . Através dela havia a comunicação em tempo real, num bôque bôque.
Neste clima foi que João Mulungu se estruturou, investindo na sua formação para na Resistência, sobreviver aos enfrentamentos e iniciou a sua jornada, fugindo diversas vezes do engenho do seu Senhor, ora buscando outro Senhor ou o contato com grupos aquilombados, fugia porque apanhava e era extremamente maltratado, deixou a sua mãe a escrava Maria e foi para os Quilombos em terna idade.
No meio de sua vida quilombola, foi capturado e vendido ao Engenho Flor da Roda, do proprietário João Pinheiro da Fraga, agora já na adolescência e com bastante experiência de luta para sobrevivência, teve seu novo Senhor, não porque estivesse procurando, mas porque lhes deram.
João Mulungu, agora já mais tarimbado, utilizou a sua experiência no engenho para reforçar a sua liderança e logo foi identificado e respeitado por muitos escravos do engenho, é verdade que despertou a ira e o ciúme de muitos. João Mulungu era faceiro, insinuante, corpo atlético, sensual e logo despertou a paixão e o desejos de muitas escravas que o procuravam sempre que podia para os mimos de amor, mas não conseguiam amarrar seu coração, pois ele estava reservado para as lutas
As matas do engenho era muito densa e ali João Mulungu buscava o seu sossego e . a utilizava para dar guarita aos quilombolas procurados e os que buscavam pouso depois de uma longa jornada, e foi ali que conheceu os seus fieis escudeiros, Manoel Jurema e Galdino força multiplicadora do grupo que deu nova expressão á Resistência Negra Sergipana.
Ali no engenho Flor da Roda, conheceu a negra Angélica que não o perdia de vistas, talvez a mais ciumenta das suas mulheres, mas a sua autoridade nunca fora questionada e ou desrespeitada, mantinha um a boa relação de disciplina com os membros do seu grupo e com os demais grupos que se relacionava, João Mulungu mantinha a mais temida organização quilombo
Diversas vezes João Mulungu se reunia com seus companheiros e promovia uma incursão pelas Vilas, capturando mantimentos e cavalos, a moeda mais forte na época para negociar com os ciganos, que constantemente lhes procuravam e muitas das vezes se abrigava sobre a proteção do grupo, quando estavam sendo perseguidos pela fôrça policial, mais era fundamental a relação que mantinha pois os ciganos eram a ponte e a garantia de vir a possuir boas armas para os embates com a policia.
Muita das vezes essas excursões eram objeto de perseguições da policia e passavam mais de três meses nestas manobras, que muita das vezes só eram concluídas ou só tinham os finais felizes por intervenção de outros grupos que usavam de artimanha para tirar a policia do encalço do grupo de João Mulungu.
Com essas atividades paralelas, já era tido como fugitivo pelo Senhor do engenho Flor da á era tido como fugitivo pelo Senhor do engenho Flor da Roda que comunicando o caso a policia, tinha garantido o seu retorno quando recapturado, mas João e seus companheiros, mantinham as matas do Flor da Roda como Quartel General, era ali a sede do seu quilombo, e o descalço dos seus guerreiro,era ali onde se refugiava das manobras, agora as fugas da policia.
O nome de João Mulungu cresceu tanto que a simples menção deixava
O pessoal apreensivo, donos de engenhos, autoridades e principalmente o tenente João Batista Banha que nutria o maior ódio ao quilombola, tendo em vista as dores de cabeça e as canhotas de que era vítima por não conseguir capturar João Mulungu.
João Mulungu foi transformado em objeto e agente na luta contra os opressores, seu nome era muitas das vezes utilizados para garantir feitos e ou para encobrir manobras de opositores, estratégica utilizada por políticos, senhores de engenhos e pela própria policia, quando queria atingir alguém, a mando dos senhores de engenhos e de políticos. Atacavam usando a estratégia do grupo de João Mulungu e deixavam falsas pista que identificaria o quilombola com o depoimentos das suas vítimas.
Por diversas vezes João Mulungu foi acusado junto com os seus companheiros de ter praticado crimes, roubos, invadido fazendas, queimado e destruído plantações. Essas acusações caluniosas lhes deram bastante dores de cabeça e aceleraram suas incursões em outras Vilas, fugindo das tropas, mas em todas as Vilas visitadas só lhe renderam amizade o que irritava a repressão que o vendia como o terror da Capitania e deixava o Tenente João Batista da Banha em maus lençóis.
João Mulungu e seus companheiros fizeram incursões em todas as Vilas da Capitania, percorrendo de norte a sul toda a extensão do pequeno território convivendo com ciganos, índios, portugueses, escravos, forros, libertos, perseguidos enfim, o quilombo era expressão de liberdade e a levava em suas ações itinerantes onde que fosse um libertário, perseguido e perseguindo o modo de bom viver.
Com diversos processos crimes para responder, seguia em frente na sua luta, promovendo seus manifestos, junto com os companheiros e sempre retornava a Flor da Roda, sem saber que ali seria a sua perdição pela traição de um escravo do engenho enciumado, pela preferência de Angélica e pelo poder de liderança de Mulungu, o Severino, escravo do engenho, sabedor da chegada do grupo e da sua localização , e sabendo da diligência do agora Capitão João Batista da Rocha Banha, procura –o e denunciou a sua localização, era 11 horas da manhã do dia 19 de janeiro, João Mulungu e seus companheiros, descansando á sombra dos bananais do engenho Flor da Roda foram capturados e conduzidos para a Vila de Divina Pastora.Tendo a Igreja como cárcere onde fora violentamente interrogado e torturado pelo delegado responsável pelos autos.
Como era de se esperar os dividendos políticos da prisão de João Mulungu, aguçou a muitos, dos policiais ao Presidente da Província anunciou que havia acabado os quilombos em Sergipe, pois que o seu terrível chefe, havia sido enforcado naquela data. O que não condisse com a verdade, pois por muito tempo tramitou a ação jurídica de João Mulungu, sendo transferido de uma Vila para outra e por fim, anunciado a sua sentença e dos seus dois companheiros, sentenciados as Galés, certamente que foram mandados a cumprir pena na Bahia, como era de costume na época. O certo é que João Mulungu não permaneceu por muito tempo na Bahia, deve ter estendido as suas experiência as lutas dos negros e se insurgido contra os opressores, formando outro grupo de resistentes quilombolas.
QUINTINO DE LACERDA O ARAUTO DA SERRA
No tempo da escravidão, o negro apanhava e buscava alternativa de vida, seja na fuga como estratégia de luta ou se deixava levar buscando seu tempo para revidar com sabedoria ou simplesmente como reação a violência sofrida, A Vila de Santos Antonio da Almas, foi palco como em toda Vila da Capitania de Sergipe, de lutas transformadoras, onde os negros buscavam através dos diversos manifestos, se manter em constante vigilância contra as violências.
Entre Colinas, Serras e Canaviais, caminhava um garoto cabisbaixo, roupa em tiras, ia em direção do rio onde pretendia tomar banho e contar nuvens, observar as figuras etéreas que ali se formava, sempre que o tempo ficava mais quente.
Gostava de tomar banho e correr entre as pedras exercitando sua musculatura que já se pronunciava, mesmo em contraste com a sua magreza
em relação a sua altura, parecia uma vara de bambu. Sempre que fugia do engenho e da violência do feitor do senhor e do capataz, que ainda lhe queimava as mãos como castigo, vinha para a s margens dói córrego que chamava de rio.
Quintino sabia da sua situação e sabia também onde viviam outras crianças que fugiam do cativeiro e pensava sempre em se juntar a elas. A sua vida não era muito boa, e assim pensando chegou a beira do riacho, despiu seus trapos e andou pelas margens, brincando com uma borboleta e logo mergulhou sentindo a temperatura da água lhe invadir todo corpo, abstraindo seus pensamentos, aliviando as torturas físicas e morais de sua infeliz alma.
Saiu do riacho e deitou sobre as relvas sem nenhuma preocupação, vez em quando admirava o seu corpo nu que se alongava e se transformava, achava que seus braços eram muito grandes também, queria parecer como o Francisco, todo inteiro e musculoso e sem medo de nada e assim dava vazão aos pensamentos que corria mais rápido que as nuvens, transformando em imagens fantásticas.
Deu outros mergulhos e depois subiu numa árvore frondosa que margeava o riacho e lá em cima podia ver o cenário verdejante que compunha o local, avistava também os movimentos dos escravos na lida, uma na lavoura outros no Canavial e outros, cuidando do gado, lá de cima tudo era diferente só a sua visão descortinava o ambiente sem lhe trazer sofrimentos. Era livre, pelo menos da sua imaginação.
O sol esquentava, aquecendo a temperatura, pois o vento quando soprava mostrava a verdadeira frieza que fazia o lugar, mas Quintino se aquecia de esperança, desceu da árvore e voltou a deitar na relva, desta vez bem perto da margem com os pés dentro d água e a cabeça por sobre uma pedra e fitando os céus por entre os galhos.
Ensaiou alguns passos de fugas e defesas, para no momento oportuno seguir sozinho em busca dos quilombolas, sabias que muitos grupos de quilombos aceitavam meninos, pois já ajudaram muitos dos seus amigos a fugirem para os quilombos e deixarem de apanhar. Nunca disse nada a ninguém, nem a sua mãe.
Quando apanhava recebia dela a mensagem para fugir, mas até agora não fugiu, tem medo e pena de deixar a mãe apanhar por causa dele, pois já viu muitas das mães apanhando por seus filhos terem fugido, o mais recente foi Malaquias de pouco mais de seis anos, o Sinhozinho disse que ele não vingaria e que seria morto pelos bichos ou de fome.
Nezinha foi embarrigada pelo Sinhozinho e agora não podia mais sair com ela que depois da surra está com os pés quebrados. Só anda mancando, dizem que vão mandar ela pras bandas do Maruim para ser ama de uma velha.
Tempo passou e foi vendido, mas sua mãe não chorou. Foi vendido para um coronel que ia viajar e foi vendido como ladrão. Nunca tinha roubado e ainda apanhou no tronco antes de ser entregue ao novo senhor, saiu do engenho com marcas gotejantes.
Na casa do novo dono, foi tratado pelas filhas dele e ele era muito bom e na viagem foi tratado diferente dos outros escravos que se encontravam no navio. Passou muitos dias até chegar ao destino, era uma terra fria e agitada
Se ouvia muitos gritos.
Na casa do senhor, ficou do lado de dentro, não dormia na senzala e lá não tinha senzala, tinha uma ruma de gente que entrava e saia depois de muitas conversas.
Uma vez o senhor perguntou se não gostaria de aprender a ler e mandou suas filhas lhe ensinarem e já começava a fazer parte da comitiva que visitava o senhor, pois pedia até a sua opinião, quando ia levar alguma coisa que mandavam.
Quintino crescia se tornava um negro forte, já fazia alguns serviços para fora, como negro de ganho, andava no Porto e não era perseguido e até começou trabalhar no cais.
Um dia uns amigos do Senhor lhe perguntaram se não gostaria de chefiar um local para proteger os negros que fugiam dos engenhos. Ele pestanejou e lembrou de seus amigos que fugiam do cativeiro ainda criança e iam procurar por chefes de quilombos. Lembrou de Malaquias e sua coragem fluiu como um sonho realizado. Disse que sim e que poderia fazer o que precisasse. Ele desconfiava que muitos desses Senhores, invadiam os engenhos para libertar negros, já tinha percebido isso por diversas vezes, principalmente quando era acordado madrugada pelos barulhos surdos que vinham da sala e sempre percebia pela manhã alguns negros com mochilas, esperando serem levados para o serviço.
Quintino vivia entre intelectuais progressistas, ativistas que lutavam contra o escravismo. Aprendeu a se portar ativamente, sem subterfúgio, enfrentando as adversidades e dialogando com os maiores pensadores da resistência.
Naquele mesmo dia foi levado com alguns escravos em comitiva para o local onde seria o maior quilombo agrícola do sul do país. Jabaquara onde buscou liderar as ações de permanência dos resgatados, usando estratégias ancestrais nunca antes praticadas.
A resistência do Jabaquara interagia com a comunidade de quem era conhecido e reconhecido, diversas vezes fez interferência em favor do coletivo de Santos
Como chefe do Quilombo do Jabaquara destacou-se como líder obedecido sem contestação. É a fase heróica da vida desse negro corajoso. Chefiou homens armados, capoeira, resgatando levas de escravos, na Serra do Mar, para levá-los para a Vila da Redenção como o povo chamava ao Jabaquara. No Quilombo, a organização da nova vida: a vida com liberdade.
E o batalhão que ele formou com negros e brancos contra a Revolução da Armada? Revela além de coerência política, a compreensão da necessidade de unir as raças. Quintino não foi só obra do ambiente ativo de Santos. De vários modos e em diferentes etapas da vida, ele mostrou um marcado valor social.
Com seus companheiros e com toda comunidade santista, comemorou o Lei Áurea, o fim do cativeiro.
E foi chamado a prosseguir na luta, sendo inspetor de quarteirão. Foi condecorado pelo Presidente da República Marechal Deodoro e atendendo aos pedidos se ligou ao legislativo municipal e concorreram as eleições sendo eleito o primeiro Vereador Negro do Brasil.
Mas as suas insatisfações se cristalizarão pela demonstração de intolerâncias, do racismo e das discriminações e se retirando da política, buscou outras atividades para suas ações. Já casado com filhos entrou em depressão e faleceu.
A cidade demonstrou o seu orgulho, seu amor e seu respeito pelo insigne Herói da Libertação e lhe deu efusiva despedida, gravando na Matriz e no Cemitério Central, memorial do seu legado.
Anos depois seu reconhecimento foi eternizado nos versos do Hino da Cidade e nas homenagens que lhes prestaram mandando erguer monumentos ao Coronel Quintino de Lacerda, patente outorgada pelo primeiro Presidente desta Nação, ao menino escravo dos engenhos de Sergipe, em Itabaiana terra de João Mulungu e grandes Heróis Negros. O maior reduto de quilombos de estradas do Brasil. Seu nome também foi lembrado em sua terra, onde denominaram uma artéria publica com seu nome e reconheceram-no pelo seu legislativo municipal, como Herói Negro de Itabaiana, considerando o 8 de Junho como o Dia Municipal de Luta da Consciência Negra em sua homenagem gravado em 20 de setembro de 2001.
Chefe do Quilombo do Jabaquara e primeiro líder político negro de Santos. Nascido em 08 de junho de 1839, Quintino de Lacerda, foi o mais atuante agitador da abolição no litoral Paulista, garantindo abrigo a escravos fugitivos de toda a região do planalto, que aqui buscavam defesa.
O Quilombo do Jabaquara, era verdadeiramente inexpugnável, defendido pelas encosta do morro do Jabaquara e com um único caminho de acesso permanentemente guardados pôr sentinelas de Quintino.
Em 1850 havia 3.189 escravos em Santos, para uma população livre de 3.956 habitantes.
Não deixa de ser surpreendente que quinze anos depois já existia uma forte resistência organizada e que três meses antes da abolição do instituto da escravidão no Brasil, em Santos já não houvesse escravos. Tanto que dia 13 de maio de 1888 seguiram-se oito dias de festa populares, comícios, passeatas músicas e dança nas ruas.
Quintino de Lacerda foi o centro das atenções e chegou a receber, em solenidade pública, um relógio de ouro, como uma homenagem popular a seu mais querido líder abolicionista.
Com a abolição, o irrequieto Quintino lança-se à luta política, incorporando, pela primeira vez, os negros ao processo político na cidade. Organiza e comanda um batalhão na defesa contra uma possível invasão de tropas rebeldes interessadas em depor o Marechal Floriano Peixoto. Recebe, em reconhecimento, o título de Major Honorário da Guarda Nacional, em 1893.
Sua eleição para a Câmara municipal, em 1895, porém, faz eclodir uma grande crise política fomentada pelos setores racista. Ela começa com a negação de sua posse como vereador.
O Guerreiro do Aramefá
CONTO Conta A INTOLERÂNCIA
Severo D’Acelino
Fazia tempo que meu amigo, o guerreiro de Aramefá, não passava por aqui. A meninada hoje já criada, umas já embarrigadas e outros pais de filhos, mas todos na lida do dia-a-dia, curtindo o sol e a chuva quando tinha, na preparação da terra, plantando arroz nas várzeas e pescando quando dava porque caça não tem mais.
No terreiro o esforço de todos na manutenção da religiosidade que ninguém quer deixar, mesmo porque é a única atividade para manter a família neste curral, fim de mundo.
Era a Maria de Tinoco que falava pensando alto, enquanto varria o terreiro e espantava as galinhas.
A canoa chegava não da pesca, mas do outro lado do rio, foram levar umas galinhas para vender na feira e lá tinha se encontrado com o velho Aramefá, que se dispôs a visitar o terreiro e ver os meninos que havia ajudado a nascer.
De vez em quando o andarilho era solicitado para atender o povo nas mais diversas necessidades e ofícios.
Foi muito festejada a sua chegada, todos se reuniram em torno do andarilho e perguntas das mais diversas eram feitas, umas com respostas e outras silenciadas ou substituídas por outras perguntas do andarilho.
Anoiteceu , as crianças desceram para a prainha a fim de tomar banho e levaram com elas o Andarilho que aceitou sem protestar, se juntou as algazarras do grupo e nadou, mergulhou e depois boiou demoradamente até ser interrompido pelos chamados que vinha lá de cima.
Pegou a cabaça que sempre trazia consigo e falou dentro do gargalo, balançou e de repente o som do vento batendo nas folhas dos matos se tornou audível. O grupo já se distanciava, pois sabiam quando deveria deixar o andarilho a sós e sem interromper seus pensamentos.
Quando o andarilho chegou na casa, todos já estavam a mesa para o repasto, pois enquanto se divertiam no rio, Maria de Tinoco preparava o jantar com muito inhame, batata e galinha, era a comida preferida do andarilho.
Assim que transpôs o umbral da porta houve um pipocar de trovoada que foi recebido com um grito de Maria e o assobio do andarilho. – Vamos ter fartura. Hoje chore para o mês todinho. O rio vai transbordar de peixes e a roça vai prosperar.
O filho mais velho de Maria se encolheu e gritou - Vige. Isso é feitiçaria. Eu não vou ficar aqui não. O andarilho olhou para ele e disse. O Pastor meu fio, não lhe falou que o Deus de Abraão é o mesmo de Jacob ? Ele não lhe disse que os poderes da natureza tem seus poderes escritos na Bíblia.
O homem pode e deve invocar os poderes da natureza e ela aceita se o homem for guiado pelo destino. Todos ficaram em silencio, pois ninguém ali falava no assunto que tanto desgostava Maria de Tinoco.
Apareceu um Pastor pelo local e começou puxar o Ambrósio, filho mais velho de Maria, para a religião dele. Quando Maria soube, ficou transtornada e não disse nada. Todos ali sabiam que foi ela que chamou o andarilho. De uns tempos para cá ela andou sumida da vista do pessoal e as noites, andava pelos matos e dizem até que vira ela no culto do Pastor, mas nada foi comprovado o certo pé que o Pastor começou a perder umas pessoas da sua Igreja.
A chuva caia vestinginhosamente e o vendaval impedia que alguém saísse de casa ou dos abrigos. O andarilho pediu que Ambrósio lhe fizesse companhia a mesa e todos comeram alegremente como se nada houvesse acontecido.terminado o repasto, ali na mesa o andarilho começou a falar.
Não se dirigia a ninguém, mas disse que antigamente os negros eram forçados a praticar a religião dos brancos e os que eram acusados de feitiçaria eram levado a pena de morte era muita maldade com os negros escravos.
Muitos fugiam para os quilombos com medo de morrer e outros praticavam a religião do branco, acompanhando seus senhores e ficavam nos fundos da igreja, não podia sentar junto com os brancos.
Depois os negros começaram a freqüentar a uma seita, chamada de irmandade e começaram então a fazer suas igrejas, mas nunca se esqueceram dos seus Orixás e da sua religião que nas brincadeiras, faziam seus cultos ali mesmo na casa do senhor, nas senzalas e em todos os lugares, os brancos diziam que era coisa dos negros, as brincadeiras eram mais forte quando tinha festa nas Igrejas, procissões.
E não era só os negros que eram forçados a praticarem a religião do branco não, também outros brancos tinham as suas religiões e eram proibidos. Muitos Pastores foram presos e como os negros, deportados e mortos.
Essas morte foram muitas até que foi mudando e outros brancos foram praticando suas religiões, mas para os negros foi piorando, porque era perseguido por todos os brancos de todas as religiões.
A resistência dos negros em todo canto foi grande para que os Orixás tivessem os mesmos direitos dos Santos das Igrejas e o povo das outras religiões.
Diziam que era a religião do Estado, que era oficial e por isso todos deveriam praticar o religião do Estado. Dizem também que o Estado brigou com a Igreja e se separaram, mas não deixou de perseguir os negros.
Muitos falam por ai que já se tem liberdade de religião, mas os negros só têm mesmo é a proteção dos seus Orixás e a sabedoria dos poucos feiticeiros que restou. Fazem uma lei, mais esquecem da acabar com as outras que ainda perseguem os negros e seus Orixás e suas tradições.
O tempo foi passando, continua o andarilho e cada vez mais o negro é escravizado, agora é escravizado pelos Pastores que lhes oferecem o gloria do céu, o conforto da terra, e o negro continua mane gostoso, trabalhando para manter os pastores felizes e saudáveis, para orar por Deus e Jesus e dar ao negro a salvação, distante de suas tradições e dos seus Orixás, seus Caboclos, seus Pretos Velhos e suas Entidades.
E virando para Ambrósio, disse: Hoje os Padres e os Pastores sabem mais de negros, de Orixás e de Caboclos e de Pretos Velhos e de Entidades do que os negros e seus Feiticeiros, mas não tem o poder dos próprios negros e feiticeiros de invocar e conviver com os seus Ancestrais e de falar com a natureza. Enquanto eles ficam lendo o livro que é conhecido como sagrado.
O negro não precisa de livros para falar com os Orixás e conviver com os seus poderes. É por isso que o negro é escravo, ainda tem a mentalidade escrava e tem medo de voltar para ao cativeiro, só que agente tenta se enganar.
O cativeiro não acabou até aqui o negro é vigiado, vive esfarrapado sem direito a trabalhar e só vivem de favores, os favores dos senhores quando a escravidão acabou, que para anão morrer de fome se humilhou para continuar nas senzalas, servindo a casa grande por um lugar para ficar e um prato de comida para não morrer a mingua, como muitos morreram nas estradas, indo para não sei onde. Foram expulsos dos engenhos e só os Orixás lhes seguraram com os ventos e intentos que Exu lhes mandava.
Mas os brancos mandaram a policia acabar com os esfomeados e só os mais fortes que conseguiram se reorganizar em quilombos e viveram mais um pouco, nos matos sendo caçados como bicho e quando chegavam nas cidades eram tratados como ladrões. Ainda hoje o negro é discriminado e tratado como marginal, como feiticeiro, como coisa ruim, mas desde as... Ouviu-se o barulho dos raios cortando o céu e um barulho ensurdecedor de alguma coisa caída na terra estremecendo o chão como um terremoto. O silencio abateu aquela sala onde todos sentados, os pratos ainda na mesa e... Cadê o andarilho?
Ninguém viu nada. O andarilho simplesmente não se encontrava mais ali, o trovão roncava e os raios estralavam cortando os ares. Amanhecia e todos em estado de estupor
Não tinham a menor noção de como estava todo lá fora. Tentaram abrir a porta, mas não conseguiram, os meninos tentaram as janelas, mas nada. Maria mandou que todos ficassem onde estavam que ela iria dar um jeito. Como ninguém tinha dormido, mandou que fossem para suas camas que ela iria dormir um pouco.
As chuvas continuavam e o rio trasbordou e quando as chuvas pararam a noite , a lua apareceu brilhante que a noite parecia dia. Maria manteve todos dentro de casa e foi para o Terreiro verificar os estragos, mas estranhamente não havia nenhum estrago visível. Acendeu umas velas e cantou o angorossi, cantava e cantava na sua imaginação o Barracão estava cheio de gente que respondia os cânticos de louvores e saudação aos Orixás..
Em casa, todos os filhos e netos respondiam em coro os cânticos que vinha da lá. O dia encontrou todos reunidos saudando Ogum Raio de Sol.
As portas foram abertas pelo lado de fora, e todos poderam ver as cabaças que se encontravam boiando numa poça que foi feita no terreiro. Maria mandou recolher todas as Cabaças e levarem para as águas do rio que estranhamente estavam límpidas em vez de barrentas e as cabaças depositadas fizeram um rodopio e lentamente deixaram se levar pelas correntezas, rumo ao mar.
Três dias depois Ambrósio ao chegar no centro do terreiro onde estava a poça de água, encontrou o buraco aberto, mostrando uma enorme pedra preta. Gritou como um alucinado chamando a mãe que chegando no local ao olhar para a pedra, saudou efusivamente o Orixá; Kaô Kabiecilê!!! E se prostou no chão. Ao longe alguém cantava saudando Ogum. Patakori, Senhor da Guerra, Protetor da Agricultura. Era a voz do andarilho. Maria e Ambrosio abraçados, choravam.
A Guardiã de Obá
Com a morte de D. Umbelina o terreiro Santa Bárbara Virgem recebeu nova sucessora seu nome era Maria de Lourdes mais Conhecido por D. Lourdes, uma negra forte, ágil, calma e dedicada, trabalhava na prefeitura de Laranjeiras e tinha a cozinha como seu domínio preparava um café como ninguém, o café de D. Lourdes era famoso, muita gente só entrava na prefeitura para tomar o café de D. Lourdes era o lugar mais concorrido depois do gabinete do prefeito, e a todos ela atendia sem fazer cara feia, servia café até a hora de ir embora, caladona sisuda respeitada por uns e temida por outros.
Comandava os quatros terreiros da irmandade de comum acordo com todos, Tinha em D. Alaíde a sua orientadora nas ações ritualista e de uma pesquisadora a orientação das taieiras para poder levar em frente a jornada Alaíde era uma das mais antigas da irmandade conhecia todos os rituais, professora aposentada, grande amiga e orientadora de D. Lourdes uma professora que conviveu com Umbelina.
Se tornou grande conhecedora do rito religioso Nagô e das taieiras produzindo e publicando diversos documentos memoriais e foi a sua grande mentora nas preservações das taieiras. D. Lourdes era uma grande virtuosa aprendia com uma grande facilidade e de repente dominou todo ritual de Nagô e das taieiras, chegando a ser fundida com a antiga lôxa.
Confundindo a quem conhecera o conviveu por muito tempo, o seu toque e sua relação com as crianças das taieiras com os padres, com os mestres dos outros grupos tradicionais, com os pesquisadores que acorriam a sua casa em busca de informações, a resistência em não banalizar as taieiras e o Nagô, recusando a participar de eventos que achava nada ter haver com seus manifestos, mantinha sempre o calendário religioso e cultural do terreiro e da cidade para ela a taieira tinha a conotação mista.
A hierarquia cultural era religiosamente respeitada pelos chefes dos demais grupos da cidade, o Lambe Sujo olhe prestava homenagem sempre que saia a mesma coisa era observado pela Chegança, Cacumbi e os demais grupos também cortejam a festa mais importante do terreiro era o ritual do Corte de Inhame com a tradição de mais de um século conhecido e respeitado por todos em Laranjeiras, respeitado até pela Igreja, através dos seus representantes maiores, Padre Filadelfo.
O Corte de inhame é o ritual da iniciação, onde todos os rituais são seguidos, por ele se consagra a abertura das obrigações votivas aos orixás e entidades o iniciam do ciclo sagrado, assinalando a importância do produto da terra, a agricultura que acentua a sua fertilidade agradecida pela comunidade de terreiro..
Obrigação votiva, uma das mais respeitada por ser por si só a obrigação mais fina e não pode sofrer problemas de continuidade, sem que isso não seja cobrado pela Entidade com altas penalidades. D. Lourdes no ano seguinte não cumpriu com a obrigação. Por motivos de saúde e a comunidade não se alertou para a questão, não se juntou para promover o ritual e nisso acontecimentos foram gerados e a saúde da Lôxa piorando e de repente o passamento.
Mas uma vez o Terreiro Santa Bárbara Virgem, da Nação Obá, ficou de luto, o CHORO, foi anunciado com o sepultamento da Lôxa Maria de Lourdes, em seu lugar uma pré-adolescente da linha do seu sangue, de nome Bárbara, foi a indicada para a dinâmica da trajetória do Sagrado e Profano da tradição de Terreiro, a condução das Taieiras e do Nagô.
O Enterro da Lôxa foi acompanhado por membros da Irmandade, e Comunidade geral da Cidade além de diversas personalidades do mundo político e cultural do Estado, alertadas tempo. A missa de Sétimo dia foi concelebrada pelo Bispo de Aracaju com o Pároco da Matriz da Conceição com grande acompanhamento de grupos religiosos e de membros da irmandade.
O Babalorixá
Desde os tempos idos, o terreiro de candomblé é tido e ouvido por espaço comum, um quilombo, uma nação onde muito se agregam e buscam asilo.
Esse fluxo tornou – se tradição seja o tamanho que tenha, seja pequeno ou grande, pobre ou rico, o terreiro tem sempre algum agregado e o pai ou a mãe de santo, terá sempre algumas adoções espontânea.
Os filhos e filhas adotivos e esses filhos nem sempre acompanham a tradição da casa, não são seguidores da tradição, e muitas das vezes tem sido objetos de divergências no terreiro e na comunidade, confrontando pais e mães de santos, arranhando antigas amizades e esfriando relacionamentos.
MÃE ELIZA, amiga de primeiras horas e longas datas de Alexandre de Laranjeiras, teve um embate sério por conta da relação de sua filha adotiva com um filho de santo de Alexandre, agregado de sua casa, seu nome era Benício e era Filho de Xangô Leuí e tinha um Caboclo de nome Caipó, um Caboclo muito brabo e temido, pois quando descia corria mata a dentro e voltava com um pé de adicurizeiro, jurema ou montes de cansanção nas costas e trepidava o Caramanchão, era bonito de se ver. Pois Benício se engraçou pela filha adotiva de Mãe Eliza e provocou num embate ruidoso entre os dois amigos que chegaram a um enfrentamento perigoso, salvo pelo respeito e consideração que ambos se nutria e pela ligação mágica dos dois terreiros.
Alexandre não deixou barato e foi taxativo quando disse;
- Comadrinha, isso não vai ficar assim. Enquanto a Senhora vida tiver, ele terá.
Mãe Eliza ouviu calada e calada ficou.
O envolvimento dos meninos, como eles tratavam era fruto do intercâmbio natural que havia entre os dois Terreiros e a amizade incondicional dos seus Zeladores, principalmente na época em que os Pais de Santos se temiam e desconfiavam um dos outros, estes dois eram como unha e carne, a festa de um Terreiro não se fazia sem a presença do outro e Benício disso se aproveitou para acampar no Terreiro de Mãe Eliza e lá fincar pé,. Casando com Bebé sua filha adotiva, pivô da história.
Benício era embarcadiço, e Bebé Mãe Pequena do Terreiro de Shango Aiyra, de Mãe Eliza, localizada na Suíça Braba em Aracaju, dessa união tiveram cinco filhos, a mais velha veio a falecer misteriosamente por uma estranha mordida de formiga.
Benício tinha um companheiro, o seu irmão de Santo Paulo Gitoki, que junto faziam as mais variadas brincadeiras de mau gosto nos festejos, principalmente quando bebiam, mais eram protegidos de Mãe Eliza e nisso foi ficando tolerável principalmente porque gostavam do seu Caboclo, era uma festa quando Seu Caipó descia e ainda mais quando pulava o muro do Barracão com um pé de espinho enorme, arrancado pela raiz causando o maior alvoroço nos presentes que corriam com medo do Caboclo e dos espinhos.
Mesmo morando na Casa de Mãe Eliza, casado com sua filha, Benício nunca deixou de obedecer aos ritus e tradições da Casa de Alexandre e sempre estava lá mesmo que Mãe Eliza não estivesse, Benício nunca deixou de fazer suas obrigações e nem manter sua integração em casa com seus irmãos adotivos e de Santo. Tia Alira a Mãe Pequena da Casa sempre estava contornando qualquer problema.
Nos festejos em Laranjeiras Mãe Eliza estava sempre presente, era a única que não podia faltar e a única que era ouvida por Alexandre e nisso se garantiu a permanência do diálogo e da amizade dos dois sem ser abalado pela ação dos dois filhos, ele de Xangô e ela de Oshum.
Benício foi morar no Rio de Janeiro e se localizou em Niterói onde edificou sua residência e mandou buscar a mulher e os filhos, Mãe Eliza não suportou a ausência e se transferiu para Niterói, levando todo o fundamento do Terreiro que plantou na nova localidade, a transferência do Terreiro de Shango Aiyra de Aracaju para Niterói sofreu problemas de continuidade e de equilíbrio das forças , mas foi instalado com sucesso no novo espaço, conquistando novos adeptos e contribuindo com a nova comunidade.
Tempo depois Alexandre morre, sem a presença de Mãe Eliza, sua Grande Amiga e companheira dos mais importantes eventos, os acontecimentos em Niterói começam a se complicar com o desequilíbrio da família e o enfraquecimento do Terreiro, e tempo depois Mãe Eliza vem a falecer, o Templo de Shango começa a a ruir e Benício morre e em seguida a sua companheira Bebé, fechando o ciclo da predição do Babalorisha indignado com a quebra de autoridade.
- ‘Comadrinha. Enquanto a senhora viver, Benício viverá. ’
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