sábado, 20 de dezembro de 2008

QUINTINO DE LACERDA - O arauto da Serra.


QUINTINO DE LACERDA

O ARAUTO DA SERRA

No tempo da escravidão, o negro apanhava e buscava alternativa de vida, seja na fuga como estratégia de luta ou se deixava levar buscando seu tempo para revidar com sabedoria ou simplesmente como reação a violência sofrida, A Vila de Santos Antonio da Almas, foi palco como em toda Vila da Capitania de Sergipe, de lutas transformadoras, onde os negros buscavam através dos diversos manifestos, se manter em constante vigilância contra as violências.

Entre Colinas, Serras e Canaviais, caminhava um garoto cabisbaixo, roupa em tiras, ia em direção do rio onde pretendia tomar banho e contar nuvens, observar as figuras etéreas que ali se formava, sempre que o tempo ficava mais quente.
Gostava de tomar banho e correr entre as pedras exercitando sua musculatura que já se pronunciava, mesmo em contraste com a sua magreza
em relação a sua altura, parecia uma vara de bambu. Sempre que fugia do engenho e da violência do feitor do senhor e do capataz, que ainda lhe queimava as mãos como castigo, vinha para a s margens dói córrego que chamava de rio.

Quintino sabia da sua situação e sabia também onde viviam outras crianças que fugiam do cativeiro e pensava sempre em se juntar a elas. A sua vida não era muito boa, e assim pensando chegou a beira do riacho, despiu seus trapos e andou pelas margens, brincando com uma borboleta e logo mergulhou sentindo a temperatura da água lhe invadir todo corpo, abstraindo seus pensamentos, aliviando as torturas físicas e morais de sua infeliz alma.

Saiu do riacho e deitou sobre as relvas sem nenhuma preocupação, vez em quando admirava o seu corpo nu que se alongava e se transformava, achava que seus braços eram muito grandes também, queria parecer como o Francisco, todo inteiro e musculoso e sem medo de nada e assim dava vazão aos pensamentos que corria mais rápido que as nuvens, transformando em imagens fantásticas.

Deu outros mergulhos e depois subiu numa árvore frondosa que margeava o riacho e lá em cima podia ver o cenário verdejante que compunha o local, avistava também os movimentos dos escravos na lida, uma na lavoura outros no Canavial e outros, cuidando do gado, lá de cima tudo era diferente só a sua visão descortinava o ambiente sem lhe trazer sofrimentos. Era livre, pelo menos da sua imaginação.

O sol esquentava, aquecendo a temperatura, pois o vento quando soprava mostrava a verdadeira frieza que fazia o lugar, mas Quintino se aquecia de esperança, desceu da árvore e voltou a deitar na relva, desta vez bem perto da margem com os pés dentro d água e a cabeça por sobre uma pedra e fitando os céus por entre os galhos.

Ensaiou alguns passos de fugas e defesas, para no momento oportuno seguir sozinho em busca dos quilombolas, sabias que muitos grupos de quilombos aceitavam meninos, pois já ajudaram muitos dos seus amigos a fugirem para os quilombos e deixarem de apanhar. Nunca disse nada a ninguém, nem a sua mãe.

Quando apanhava recebia dela a mensagem para fugir, mas até agora não fugiu, tem medo e pena de deixar a mãe apanhar por causa dele, pois já viu muitas das mães apanhando por seus filhos terem fugido, o mais recente foi Malaquias de pouco mais de seis anos, o Sinhozinho disse que ele não vingaria e que seria morto pelos bichos ou de fome.
Nezinha foi embarrigada pelo Sinhozinho e agora não podia mais sair com ela que depois da surra está com os pés quebrados. Só anda mancando, dizem que vão mandar ela pras bandas do Maruim para ser ama de uma velha.
Tempo passou e foi vendido, mas sua mãe não chorou. Foi vendido para um coronel que ia viajar e foi vendido como ladrão. Nunca tinha roubado e ainda apanhou no tronco antes de ser entregue ao novo senhor, saiu do engenho com marcas gotejantes.
Na casa do novo dono, foi tratado pelas filhas dele e ele era muito bom e na viagem foi tratado diferente dos outros escravos que se encontravam no navio. Passou muitos dias até chegar ao destino, era uma terra fria e agitada
Se ouvia muitos gritos.

Na casa do senhor, ficou do lado de dentro, não dormia na senzala e lá não tinha senzala, tinha uma ruma de gente que entrava e saia depois de muitas conversas.

Uma vez o senhor perguntou se não gostaria de aprender a ler e mandou suas filhas lhe ensinarem e já começava a fazer parte da comitiva que visitava o senhor, pois pedia até a sua opinião, quando ia levar alguma coisa que mandavam.

Quintino crescia se tornava um negro forte, já fazia alguns serviços para fora, como negro de ganho, andava no Porto e não era perseguido e até começou trabalhar no cais.
Um dia uns amigos do Senhor lhe perguntaram se não gostaria de chefiar um local para proteger os negros que fugiam dos engenhos. Ele pestanejou e lembrou de seus amigos que fugiam do cativeiro ainda criança e iam procurar por chefes de quilombos. Lembrou de Malaquias e sua coragem fluiu como um sonho realizado. Disse que sim e que poderia fazer o que precisasse. Ele desconfiava que muitos desses Senhores, invadiam os engenhos para libertar negros, já tinha percebido isso por diversas vezes, principalmente quando era acordado madrugada pelos barulhos surdos que vinham da sala e sempre percebia pela manhã alguns negros com mochilas, esperando serem levados para o serviço.
Quintino vivia entre intelectuais progressistas, ativistas que lutavam contra o escravismo. Aprendeu a se portar ativamente, sem subterfúgio, enfrentando as adversidades e dialogando com os maiores pensadores da resistência.
Naquele mesmo dia foi levado com alguns escravos em comitiva para o local onde seria o maior quilombo agrícola do sul do país. Jabaquara onde buscou liderar as ações de permanência dos resgatados, usando estratégias ancestrais nunca antes praticadas.
A resistência do Jabaquara interagia com a comunidade de quem era conhecido e reconhecido, diversas vezes fez interferência em favor do coletivo de Santos

Como chefe do Quilombo do Jabaquara destacou-se como líder obedecido sem contestação. É a fase heróica da vida desse negro corajoso. Chefiou homens armados, capoeira, resgatando levas de escravos, na Serra do Mar, para levá-los para a Vila da Redenção como o povo chamava ao Jabaquara. No Quilombo, a organização da nova vida: a vida com liberdade.
E o batalhão que ele formou com negros e brancos contra a Revolução da Armada? Revela além de coerência política, a compreensão da necessidade de unir as raças. Quintino não foi só obra do ambiente ativo de Santos. De vários modos e em diferentes etapas da vida, ele mostrou um marcado valor social.
Com seus companheiros e com toda comunidade santista, comemorou o Lei Áurea, o fim do cativeiro.
E foi chamado a prosseguir na luta, sendo inspetor de quarteirão. Foi condecorado pelo Presidente da República Marechal Deodoro e atendendo aos pedidos se ligou ao legislativo municipal e concorreram as eleições sendo eleito o primeiro Vereador Negro do Brasil.
Mas as suas insatisfações se cristalizarão pela demonstração de intolerâncias, do racismo e das discriminações e se retirando da política, buscou outras atividades para suas ações. Já casado com filhos entrou em depressão e faleceu.

A cidade demonstrou o seu orgulho, seu amor e seu respeito pelo insigne Herói da Libertação e lhe deu efusiva despedida, gravando na Matriz e no Cemitério Central, memorial do seu legado.
Anos depois seu reconhecimento foi eternizado nos versos do Hino da Cidade e nas homenagens que lhes prestaram mandando erguer monumentos ao Coronel Quintino de Lacerda, patente outorgada pelo primeiro Presidente desta Nação, ao menino escravo dos engenhos de Sergipe, em Itabaiana terra de João Mulungu e grandes Heróis Negros. O maior reduto de quilombos de estradas do Brasil. Seu nome também foi lembrado em sua terra, onde denominaram uma artéria publica com seu nome e reconheceram-no pelo seu legislativo municipal, como Herói Negro de Itabaiana, considerando o 8 de Junho como o Dia Municipal de Luta da Consciência Negra em sua homenagem gravado em 20 de setembro de 2001.
Chefe do Quilombo do Jabaquara e primeiro líder político negro de Santos. Nascido em 08 de junho de 1839, Quintino de Lacerda, foi o mais atuante agitador da abolição no litoral Paulista, garantindo abrigo a escravos fugitivos de toda a região do planalto, que aqui buscavam defesa.

O Quilombo do Jabaquara, era verdadeiramente inexpugnável, defendido pelas encosta do morro do Jabaquara e com um único caminho de acesso permanentemente guardados pôr sentinelas de Quintino.

Em 1850 havia 3.189 escravos em Santos, para uma população livre de 3.956 habitantes.

Não deixa de ser surpreendente que quinze anos depois já existia uma forte resistência organizada e que três meses antes da abolição do instituto da escravidão no Brasil, em Santos já não houvesse escravos. Tanto que dia 13 de maio de 1888 seguiram-se oito dias de festa populares, comícios, passeatas músicas e dança nas ruas.

Quintino de Lacerda foi o centro das atenções e chegou a receber, em solenidade pública, um relógio de ouro, como uma homenagem popular a seu mais querido líder abolicionista.

Com a abolição, o irrequieto Quintino lança-se à luta política, incorporando, pela primeira vez, os negros ao processo político na cidade. Organiza e comanda um batalhão na defesa contra uma possível invasão de tropas rebeldes interessadas em depor o Marechal Floriano Peixoto. Recebe, em reconhecimento, o título de Major Honorário da Guarda Nacional, em 1893.

Sua eleição para a Câmara municipal, em 1895, porém, faz eclodir uma grande crise política fomentada pelos setores racista. Ela começa com a negação de sua posse como vereador.

Um comentário:

  1. Severo, como interessada e participante que sou na luta a favor do movimento negro no Brasil faço um singelo comentário aqui neste seu sério espaço. Realmente, seu trabalho é digno e faz muita diferença nesta onda toda existente em nosso país a favor da raça negra. Tudo em nosso país vira modismo e é neste momento que pessoas como vc devem mostrar vivamente que já estavam nesta luta faz tempo. E nós expectadores desta luta incansável apoiá-los e dignificá-los ainda mais. Realmente a abolição começou em Santos, como diz o meu grande amigo Luiz Otávio de Brito e Quintino de Lacerda realmente é o incontestável Herói da Liberdade da raça negra, deixando para nós um legado de vida, história, importância e exemplo a ser seguido de maneira atual mas não diferente dele. E a luta continua...cada anônimo, como eu, faz sua parte e não pode deixar de render a pessoas como vc muito respeito e solidariedade. Luiza Negreiros.

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SEVERO D’ACELINO. Sergipano de Aracaju, (47) filho de Acelino Severo dos Santos e Odilia Eliza da Conceição – Fundador do Movimento Negro em Sergipe; Bahia e Alagoas – Ativista dos Direitos Humanos – Poeta , Dramaturgo , Diretor Teatral , Coreográfo , Pesquisador das culturas Afro indigena de Sergipe , Ator . Em 68 fundou o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves em 73 os Cactueiro Cênico Grupo e Teatro GRFACACA, introduzindo o Teatro Armorial e o Teatro de Rua em Sergipe. Dirigiu diversas peças e espetáculos de dança, entre eles: Maria Virgo Mater Dei, O Mistério da Rosa Amarela, A Última Lingada, De Como Revisar Um Marido Oscar, Terra Poeira in Cantus, Navio Negreiro,Água de Oxalá, A Dança dos Inkices D’Angola, Iybo Iná Iye, João Bebe Água. No Cinema interpreta Chico Rey , Espelho D’Agua e na Televisão: Thereza Baptista Cansada de Guerra. Autor de diversas peças textos e coreografias destacando a Suíte Nagô. Casado, Militar Reformado da Marinha de Guerra do Brasil. Coordenador Geral da Casa de Cultura Afro Sergipana.