sábado, 20 de dezembro de 2008

QUIZILA A MORTE DE UM REI NAGÔ




QUIZILA

A Morte de um Rei Nagô

Em Laranjeiras houve um místico Pai de Santo, tão respeitado quanto no passado foram seus antecessores e iniciadores, dentre eles: T’Oxó, T’Herculano, T’Arta, T’Joaquina, Kelebé, T’Quetê, tidas como iniciadora do candomblé e tantos outros oriundo de outras plagas e etnias, davam continuidade a luta, de resistência, mantendo acesa a unidade na diversidade e tendo no Candomblé o Ponto de Irradiação da Cultura Negra entre nós.

Seu nome era Alexandre, mais conhecido por Alexandre de Gane Gane, que reinava absoluto em Laranjeiras, localizado em área estratégica do município, dando visão a todos que lá chegavam, principalmente se fossem de trem ou de marinete, passavam obrigatoriamente pela frente da sua roça, seu templo, sua nação, um verdadeiro quilombo urbano, que dava guarita a todos que por lá chegassem.

Em épocas passadas foi objeto de grande manifesto pela perseguição policial, principalmente do governo Mainard, que mandava a brigada militar dar caça aos comunistas e aos macumbeiros, proibindo o exercício da religião, invadindo terreiros, destruindo seus símbolos e prendendo seus participantes, principalmente os Pais e Mães de Santos. Por diversas vezes o Terreiro de Alexandre fora invadido e muito dos seus símbolos, Otás e Ferramentas dos Orixás, foram enterrados no sítio e em torno dele para evitar o seqüestro e também por diversas vezes ,Alexandre teve que se refugiar em outros Estados para fugir da repressão política e policial.

Por diversas vezes lá na roça, conhecida pela comunidade de terreiro como sítio, foi refugio de diversos políticos e militantes do Partido Comunista e demais perseguido pela política repressora. O Terreiro de Alexandre era o núcleo da resistência em Sergipe, freqüentado por muitos políticos e autoridades da época, contando com centenas de Filhos de Santos dos mais variados níveis econômico,cultural e social, tendo inclusive a mais antiga Sociedade do Estado, ligada a sobrevivência religiosa com conotação sócio-educativa registrada em cartório e com uma diretoria ativa e idônea, tendo até grande empresário local e usineiro como membro atuante.

Alexandre gozava e sempre gozou de grande prestígio, principalmente pela sua responsabilidade social e importância política. Todos os Pais e Mães de Santo lhes reverenciavam e respeitavam como o ícone da religião orixá. Era de fato uma entidade. E por ser esse ícone e essa entidade as quizilas e as obrigações lhes eram mais pesadas. Dos seus Orixás o que mais lhe marcava era Xapanã, Orixá fino, cismado, violento e muito exigente, não permitia nenhuma quebra de preceito, castigava os seus com mais vigor, beirando a violência, pois sua ira quando provocada era catastrófica com resultados terríveis, seu Oriki assim se expressa:

“Meu pai, filho de Savé Opará.
Meu pai que dança sobre o dinheiro.
Ele dorme sobre o dinheiro e mede sua pérolas em caldeirões.
Caçador negro que cobre o com palha da costa,
Não encontrei outros orixás que façam, como ele,
Uma roupa de pele adornada com pequenas cabaças.
Não queremos falar(mal ) de alguém que mata e come gente.
Veremos voltar, na estrada do campo, o cadáver inchado
Daqueles que insultam Omolu.
Ninguém deve sair sozinho ao meio-dia.”

Esse Orixá impunha diversas proibições, chamadas de preceitos e quizilas, principalmente para os seus omorixás e sacerdotes, a quebra destes preceitos preconizava e preconiza castigos imediatos com pagamento de grandes obrigações requeridas pelo pedido de malembe, a depender das intenções se a transgressão foi deliberada ou não.

Alexandre tinha o Terreiro em Laranjeiras, morava em Aracaju onde mantinha uma residência no Aribê e possuía diversas propriedades no Estado , produto do seu esforço dos serviços que prestava, tinha também, centena de afilhados e filhos adotivos entre estes diversos parentes que eram criados por ele e Tia Alira de Oiya, sua fiel companheira, além disso dava assistência a grande número de agregados, pois como era de costume e de tradição, todos os terreiros tinha e tem sua cota de agregados..

Em Aracaju, além de atender as inúmeras consultas espirituais em sua residência, atendia também em seu Barraco, na Rodoviária, ponto de carga do Mercado, onde mantinha um negócio de carvoaria. Este era o ponto de encontro e de debates de todo tipo, onde recebia os amigos e as pessoas que lhe procurava para pedir orientação. Era o ponto dos contatos.

Não se sabe como, mas de repente Alexandre começou a sofrer de desvios, deixando todo mundo preocupado, quando pensava que ele estava em Laranjeiras, estava em Aracaju, em locais ignorados e quando aparecia, estava com aspecto doentio, vez por outra apresentava estado de sanidade, mas sempre recuperava a sua força e atividades, freqüentava as festas dos terreiros dos seus amigos, que não eram poucos, quando fazia seus festejos era para mais de vinte um dias e para Laranjeiras acorria multidões de filhos de santo além de inúmeros Pais e Mães de Santo, principalmente os mais chegados que ele fazia questão que participassem ativamente dos rituais e neste particular não prescindia nunca de sua Comadrinha, Eliza de Aiyrá, a quem tinha o maior respeito e buscava sempre a sua parceria nas atividades dos ritus.

Passado tempos, Alexandre apareceu com os sintomas de senilidade e sanidade sendo portanto internado mesmo a sua revelia, mas no dizer de alguns observadores,” o caso não era de médico e portanto não deveria internar o velho “, ocorre é que por diversas vezes fugira do hospital e andava a vagar pela rua e por diversos locais. O pessoal de terreiro começou a ficar apreensivo.

Nisso começou a preocupação, pois Alexandre não mais cuidava como antes de suas obrigações com os Orixás, as festas começaram a rarear, toda a responsabilidade passara para Tia Alira que preocupada não sabia a quem dava a sua atenção prioritária, e como cuidar de seu padrinho, pois era assim que o tratava. Vez por outra, outra crise e ele saia de Laranjeiras a pés e ia para Aracaju e lá ficava até que saia e retornava a Laranjeiras sem que ninguém percebesse.

Certa vez ele apareceu todo ensaboado, com a pele toda incrustada, ninguém sabia como e o resultado imediato foi interná-lo para que o dermatologista desse tratamento, mas ele fugia. No dizer de alguém chegado a ele, o acontecido foi causado pela ingestão de Robalo de Estrada (caranguejo), coisa que ele não podia comer, pois é quizila do Orixá, e aí tudo se complicou, nesta época sua melhor amiga a comadrinha, Mãe Eliza, a quem ele mais atendia, estava morando em Niterói no Rio de Janeiro e não pode interferir, num possível malembe ao Orixá, pois o Robalo de Estrada é a quizila mais forte de Xapanã, a transgressão pode não ter sido consciente mas quebrou preceitos.

Alexandre sofreu uma reação ficando com o corpo todo lambuzado com chagas expostas e crostas, perdeu a mobilidade e desesperou Tia Alira que com as demais filhas e sobrinhas, tomou a frente do cuidado para lhes dar melhores condições até o seu falecimento no meio de grandes consternações em todo Estado e fora dele, pois muita gente em pouco tempo ficou sabendo do ato. Alexandre kufou.

Os sinos da Igreja repicava a cada instante, Laranjeiras ficou consternada e para lá acorreram diversas pessoas da seita, diversas autoridades, para reverenciar num último adeus ao Guerreiro da Resistência, o ícone adormecido, a entidade que se recolhia ao Iylê balé, num reencontro aos ancestrais que velavam seu corpo inerte, observando os ritos fúnebre de preparação.

Na sala onde diversos ritus eram efetuados aos Orishas, Voduns e Inkisses, acolhia o rito fúnebre do seu Babalorisha antes do corpo descer a sepultura. Era executado por todos os presentes, através do comando de seus sobrinho e filho de santo, Paulo Gitoki que ajudava Tia Alira e Cecilhinha nos atos da liturgia.
Oshosse, Ogum, Iyansã, Iyemanjá, Obaluaiyê, Oxum – Marê e Nanã, em posto observando o cumprimento do manifesto preparatório para o Sará, que dias depois tomaria lugar.
Os Eguns de toda comunidade, lá estavam pronto para receber e acompanhar o corpo do seu maior.

O Féretro desceu, dando inicio o cortejo em direção da Casa Grande, o Cemitério onde repousara o corpo de Alexandre. Agora entidade desencarnada. Os acompanhantes obedecem ao rito e celebram hierarquicamente todos os passos, com os iniciados em suas posições pontuando e silenciando o ritmo da caminhada. À frente filhos de santos os aborôs e as iyabás e iyas, jogam abadô (pipocas) no chão por onde passará o cortejo conduzindo o caixão, os cânticos são monocórdios e a massa na sua totalidade em suspensão do transe coletivo segura a emoção até a chegada no cemitério, onde ali ladeando a cova, estão presente os Eguns maiores da Comunidade.
A Iyansã Balé de Tia Alira emite seu iylá com um tom inconfundido e indescritível, lançando eco em plena colina.

Os Eguns de T’Arta, TA’Joaquina, Qelebé, T’Oxó, T’Herculano, Sapucari e tantos outros Ancestrais , saudaram a chegada do corpo do Babalorisha e na ocasião da descida á sepultura, o Egum de Alexandre se junta aos demais, no exato momento em que o ilè (pombo), após ser solto pelo seu sobrinho e filho de Santo Paulo Gitoki, filho de Obaluaiyê, retorna e pousa na lousa. Ali estava Alexandre em torno de todos e dos seus Ancestrais observando o transe coletivo no Iylê Balé.

A Iyansã de Tia Alira emitia o seu ilá, despertando os Eguns do cemitério, anunciando a chegada do mais novo desencarnado e nisso aumentava a emoção dos presentes e colocava em transe inconsciente, os omorixás que emanavam suas despedidas em saudação ao ancestral, assinalando a Morte de um Rei Nagô, filho de Xapanã de Gane e Gane e Mede e Mede, o último de sua geração e o Terreiro., numa tarde triste e morna. Pouco tempo depois, se foram Tia Alira, Cecilhinha, e Paulo Gitoki. Beru ló.

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SEVERO D’ACELINO. Sergipano de Aracaju, (47) filho de Acelino Severo dos Santos e Odilia Eliza da Conceição – Fundador do Movimento Negro em Sergipe; Bahia e Alagoas – Ativista dos Direitos Humanos – Poeta , Dramaturgo , Diretor Teatral , Coreográfo , Pesquisador das culturas Afro indigena de Sergipe , Ator . Em 68 fundou o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves em 73 os Cactueiro Cênico Grupo e Teatro GRFACACA, introduzindo o Teatro Armorial e o Teatro de Rua em Sergipe. Dirigiu diversas peças e espetáculos de dança, entre eles: Maria Virgo Mater Dei, O Mistério da Rosa Amarela, A Última Lingada, De Como Revisar Um Marido Oscar, Terra Poeira in Cantus, Navio Negreiro,Água de Oxalá, A Dança dos Inkices D’Angola, Iybo Iná Iye, João Bebe Água. No Cinema interpreta Chico Rey , Espelho D’Agua e na Televisão: Thereza Baptista Cansada de Guerra. Autor de diversas peças textos e coreografias destacando a Suíte Nagô. Casado, Militar Reformado da Marinha de Guerra do Brasil. Coordenador Geral da Casa de Cultura Afro Sergipana.