segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

EVALDO CAMPOS



VISÕES DO OLHAR EM TRANSE
Evaldo Campos*

Visões do Olhar em Transe é em verdade um transe, onde a
alma se liberta do sepulcro da carne para chorar suas dores e soluçando
na amargura de seus desencantos viaja nas asas dos sonhos
para reconstruir o mundo que as civilizações têm devastado. É o
grito do negro arrancado á força do ventre de sua origem, silenciado
pela cultura dominante e compelido ao processo criminoso
do branqueamento.
È o desespero desaguando no oceano da ternura
que amargurada pela deserção de alguns combatentes, convertidos
ao credo da europeização do mundo, banha-se nas águas lustrais da
ira santa, na teimosia dos que não se calam nem se quedam diante
das adversidades. É ainda um canto ao amor, sentimento que quanto
mais se doa mais se embebeda de amplidão. Amor a vida, amor a
natureza, amor aos pais, amor a mulher, onde o homem realiza a
fusão que lhe ensina que a parte esta no todo que reflete cada parte,
porque o universo é a unidade de todas as coisas.

Curtido na dor, Severo D’Acelino proclama: “ Meus versos são
coágulos de sangue, resíduo de partículas da anorexia cultural”. Mas
não se deixa abater pela amargura e grita ao mundo: “ É bom ser negro!”
Não se desespera ante a deserção daqueles que deveriam com
ele lutar pela mesma causa. É certo que essa deserção lhe dói na alma,
e ele desabafa: “ Os piores negros são aqueles que se calam antes o
linchamento de outros, tornando-se cúmplice do crime pela omissão
e covardia”.
De pronto, ergue-se como o leão do deserto e arremata
que nem mesmo submetido á escravidão da cultura branqueada,
sente-se longe da liberdade: “ Eu, meu Rei, sou Negro, sou Preto, vivo
como escravo, mas sonho com a liberdade e por isso sou livre, mesmo
discriminado.” Vivendo as adversidades do hoje, procura construir o
futuro, mantendo-se fiel ao passado de sua gente, nele fazendo sua
confissão de fé: “ Não busco a esperança no presente, meu futuro é
meu passado, a grandeza de ser sem ter, mas sendo o que sou”.

Em sua caminhada pela vida, alma generosa e integrada que
é, volta-se para a natureza agredida pela insensatez dos homens e
chora a morte lente e continua do rio São Francisco. Seu lamento em
forma de versos chora o rio que desaparece pouco a pouco “ Meus
olhos argonauta do interior, viajam pelo São Francisco que tudo vê
e nada pode contra a devastação de suas várzeas, lençóis invadidos,
leitos assoreados, espelho partido” Sua poesia que transforma
a revolta em esperança, quando fala do negro, permanece cética em
relação á preocupação ecológica dos homens. “ Nela não há mais
esperança para o rio da Unidade nacional: “ Erosão, seca e assoreamento
históricos extinguiram meu rio”. “ O mar subterrâneo fala e
nos diz a sua história. O Rio... era aqui !”.

A inspiração de Severo sabe que os poetas enxergam o futuro
e por isso, sua dor é maior, quando antevê a morte do São Francisco,
a luta sem trégua dos negros, a batalha infindável contra os preconceitos.
É ele próprio que afirma: “ O poeta conta a sua história
antes que aconteça, é o profeta dos atos, sentinela dos tempos.” E
suspira pelo advento de um tempo, onde os homens sejam medidos
por sua capacidade de se refazerem dos tropeços: “ O que fazemos
não define o que somos; o que nos define é como levantamos depois
de uma queda.”

O social e o ecológico que ao lado das tradições, cultura e
religião dos seus ancestrais foram foco referencial de suas meditações,
não impediram de revelar seu lado romântico e amoroso.
Exaltou o amor filial que o liga permanentemente aos pais, cantou
o amor incondicional pela irmã cuja partida para o plano espiritual
balsamizou-lhe a alma de saudades e cantou o amor da mulher que
lhe enriqueceu o coração, mas que ele, parece desejar na penumbra,
longe dos olhares curiosos dos leitores. “Meus olhos inquietos procuram
a luz que irradia crepitante por cima das ondas... e encontrei
você.” E quase que falando em segredo, declama: “Esse braço é um
olhar que vê cura, alimentando a alma, iluminando a noite escura,
a paz do meu viver. Seu abraço fortalece o brilho do meu olhar na
sacralização do prazer.”

Dirigindo-se a mãe, D’Acelino lamenta e indaga: “Quem viu
a sua partida. Quem fechou seus olhos e velou sua passagem para
os nossos Ancestrais? A noticia foi traumática, enlouqueci e rastejei
como um alucinado. Minha amiga, meu xodó, minha força e luz! Oh
mãe eu estou só. Sinto falta dos gritos, da sensação de desconforto
nas suas criticas e descomposturas.”

E do mesmo modo como canta saudades da mãe, Severo terce
um hino de louvor ao pai: “Meu pai é eterno, minha esperança
transformadora, sem eusência de ternura, colo seguro, ombro amigo,
berço dos meus soluços, socorro da minha perdição. Meu pai é a
sombra do meu descanso, alívio de minhas dores. Meu pai, Rosa dos
ventos afortunados.”

E revelando a intensidade de sua ligação familiar, derrama
saudades na lira que canta a partida de sua irmã. “Amanheceu chovendo
em meu coração. Meus olhos lacrimejaram na lembrança de
uma saudade recente.” E mais adiante, manifestando sua crença na
imortalidade: “Você é uma estrela fulgurante na constelação dos Ancestrais.

Nós nunca morremos, viramos estrelas!”
Poeta que celebra a vida, canta a dor, desenha a esperança,
bebe o vinho do amor, enquanto dedilha a lira da saudade, Severo
coloca na tela do seu verso tudo isso, numa frase pequena, singela
e sábia: “ A tristeza é senhora de minha alegria.” Não há poeta que
não seja triste porque ele chora as dores do mundo. Não há poesia
sem paixão nem versos sem delírio. O poeta é a lenha que alimenta
a chama crepitante; é o próprio fogo que aquece, consome, devora
e escreve nas moléculas das cinzas, sua mensagem para os corações
sensíveis. Severo D’Acelino é tudo isso e muito mais.

* Advogado Criminalista

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SEVERO D’ACELINO. Sergipano de Aracaju, (47) filho de Acelino Severo dos Santos e Odilia Eliza da Conceição – Fundador do Movimento Negro em Sergipe; Bahia e Alagoas – Ativista dos Direitos Humanos – Poeta , Dramaturgo , Diretor Teatral , Coreográfo , Pesquisador das culturas Afro indigena de Sergipe , Ator . Em 68 fundou o Grupo Regional de Folclore e Artes Cênicas Amadorista Castro Alves em 73 os Cactueiro Cênico Grupo e Teatro GRFACACA, introduzindo o Teatro Armorial e o Teatro de Rua em Sergipe. Dirigiu diversas peças e espetáculos de dança, entre eles: Maria Virgo Mater Dei, O Mistério da Rosa Amarela, A Última Lingada, De Como Revisar Um Marido Oscar, Terra Poeira in Cantus, Navio Negreiro,Água de Oxalá, A Dança dos Inkices D’Angola, Iybo Iná Iye, João Bebe Água. No Cinema interpreta Chico Rey , Espelho D’Agua e na Televisão: Thereza Baptista Cansada de Guerra. Autor de diversas peças textos e coreografias destacando a Suíte Nagô. Casado, Militar Reformado da Marinha de Guerra do Brasil. Coordenador Geral da Casa de Cultura Afro Sergipana.